Orgulho Gay

Orgulho Gay

Estava revendo um seriado com temática LGBT que adoro, Queer As Folk, produzido pelo canal Showtime entre 2000 e 2005. No programa, uma personagem em particular sempre chamou minha atenção. Debbie Novotny é uma orgulhosa mãe PFlag¹ de um dos cinco protagonistas. Quando era adolescente e assisti isso pela primeira vez, a Debbie era apenas uma pessoa incrível. Alguém cujo comportamento serviria como espelho caso algum dia eu venha a ter um filho(a) que não se identifique com o que a sociedade (em sua maioria) espera que ele(a) seja em termos de identidade de gênero e orientação sexual.

Agora, 8 ou 9 anos desde que assisti esse programa pela primeira vez, muita coisa foi conquistada pela comunidade LGBT. Há uma crescente luta contra o preconceito, a criminalização de atos homofóbicos, a legalização da união entre pessoas do mesmo sexo em diversos países… Muito foi feito, mas muito mais ainda precisa ser. E apesar das vitórias, em nenhum momento a legitimidade dessa luta deixou de ser real e necessária na minha consciência e no meu coração.

Na série, alguns personagens passam pelo conflito da descoberta e revelação da própria sexualidade e sofrem com a reação de familiares a sua realidade. E em algumas dessas relações há um grande esforço por parte do familiar para dizer: “ei, eu te amo assim mesmo.” Me peguei pensando no motivo da afirmação desse sentimento ser um esforço para algumas mães, enquanto para a Debbie é muito simples amar e apoiar o filho dela. Por que é necessária uma luta interna para aceitar a sexualidade do outro, para só então conseguir demonstrar aceitação?

Essa é uma questão que nunca vou entender, pois esse sentimento vem para mim de uma forma muito natural. Sou grata por ter tido uma educação livre de preconceitos e um bom senso desde muito nova a respeito das diferenças que existem no mundo, e no quanto essas diferenças não me incomodam nem um pouco. O que sempre me soou relevante é o bom caráter, a escolha das ações que executamos em relação ao outro, a noção de certo e errado de cada um. Entretanto, pensando no comportamento das mães do programa, fui aplacada pelo pensamento: Por que, em caso de aceitação, é necessário reforçar o orgulho?

Existe a resposta óbvia: são tantos conflitos internos antes da decisão de assumir a própria sexualidade que não faz mal nenhum receber demonstrações de apoio e ouvir o quanto você é amado, mas me ocorreu uma outra justificativa para esse orgulho. Mesmo não tendo filhos, acho que consegui compreender a causa. Dizer que mães tendem a ter orgulho do próprio filho é como dizer que o céu tende a parecer azul aos nossos olhos na maior parte dos dias. Então não levo em consideração esse sentimento comum a quase todas, e trago a dúvida e a resposta unicamente para a realidade das mães PFlag.

O orgulho não é de ter um filho, ou do seu filho ser gay. O que talvez ninguém tenha tido coragem de dizer é que não há nada de especial em ser gay. Dizer isso não torna a condição nem boa, nem ruim. Eu jamais diria que ser gay é errado. O que quis dizer é que é normal. Não há nada de extraordinário em ser gay, como não há nada de extraordinário em ser hétero ou qualquer outra coisa. Especial é ter um QI acima da média, é ter bons modos num mundo em que os valores estão distorcidos, extraordinário é conseguir dar um nó no cabo da cereja com a língua.

No fim das contas a questão acaba sendo mostrada de forma errada. Quando o orgulho passou a ser linkado a condição gay, ele foi deturpado. Sem generalizar, fala-se muito de orgulho gay no automático, sem buscar aprofundamendo no significado da expressão e no sentimento ao qual ele remete. Eu mesma não estou buscando tanta profundidade assim, estou apenas externando brevemente um insight que tive ao ver uma série. Qualquer aprofundamento nessa questão exigiria muito mais do que um texto informal de pouco menos de 900 palavras.

Esse esclarecimento do sentimento do orgulho surgiu para mim traduzido no fato de criar alguém forte e corajoso o suficiente para ir contra o que ditam certo. Alguém leal aos próprios sentimentos ao ponto de se dispor a enfrentar um mundo de rejeições para continuar sendo quem é. O orgulho é por ter um filho que tem peito pra dizer “eu não me encaixo nesse padrão e não vou tentar, pois não sou obrigado.” Ser gay não faz ninguém melhor ou pior, mas ter coragem para ser gay num mundo em que isso é condenado por grande parte da sociedade, isso sim é motivo de um extraordinário orgulho.

Todo o meu amor aos amigos e desconhecidos, gays e simpatizantes,
que não se desistem da luta e não deixam o preconceito vencer 

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¹ PFlag é uma organização sem fins lucrativos para parentes, amigos e outros simpatizantes de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT).

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Educação Digital

Educação Digital

Diante da velocidade com que a era tecnológica se entranha na personalidade daqueles que participam desse mundo, nunca imaginei que haveria tanta deficiência pessoal no desenvolvimento de novos relacionamentos. Ao invés de expandir a capacidade de diálogo, o excesso de conectividade e exposição aos quais nos submetemos está transformando os mais assíduos em um bando de limitados. Essa falsa proximidade criada pelas redes sociais está derrubando as barreiras do bom senso em grande parte das pessoas. E infelizmente, a tendência é que isso piore caso não se admita a importância de uma orientação com relação ao comportamento na internet.

Quando um estranho te adiciona numa rede social e dá-se início a uma nova interação, é natural que assuntos dos mais diversos façam parte da conversa, mas (acredito que) existem limites para os temas dessa prosa. Você pode, mas não deve se dirigir a alguém que acabou de “conhecer” partindo do princípio que: se sua solicitação de amizade foi aceita, já existe entre vocês um nível de intimidade que obviamente ainda não foi alcançado e que pode até ser dada de cara por alguns, mas certamente não será dada por todos.

A cada novo contato é possível perceber essa falta de profundidade que acaba estimulando o desinteresse pelo próximo. Isso vai limando a vontade de conhecer pessoas novas, pois esse comportamento, que vem crescendo na internet, acaba sendo assimilado na vida fora das timelines. Indivíduos que poderiam utilizar a conectividade para expandir seus horizontes, alavancar seu conhecimento e seu vocabulário estão virando suas atenções para futilidades impensadas, como tentar manter um status irreal sobre a própria vida, ou propagando opiniões rasas e preconceituosas que consideram extremamente importantes apenas por serem as suas opiniões.

Assim como a educação sexual passou a ser uma necessidade de ensino nas escolas, afim de esclarecer aos jovens os cuidados e riscos de ter vida sexual ativa, há, hoje em dia, a necessidade de ensinamento de um tipo de conduta digital, mas, para todos. Algo que tente instruir pessoas de todas as idades a maneira adequada de se portar online. Por terem crescido em meio à revolução tecnológica, os mais vividos podem ter (ou não) alguma noção unindo sua experiência ao tradicionalismo aprendido na infância. Ainda assim, a esses, acredito que falte conhecimento adequado para educar seus filhos, nascidos imersos na era digital.

Quanto a essa conduta, não me refiro a criação de uma cartilha impositora ou a repressão das expressões pessoais, apenas ao desenvolvimento de um tipo de diretriz que pode ou não ser seguido por aqueles que a conhecem, da mesma forma com que o jovem que estudou educação sexual e teve “a conversa” com os pais tem liberdade para decidir se quer ou não usar camisinha quando num encontro sexual.

Para viver em sociedade exige-se um mínimo de respeito e ponderação que não vem sendo exercitados o suficiente. O excesso de acesso sem preparo está destruindo a percepção do que é pertinente e o que deve ser evitado no inconsciente coletivo. Está criando áreas nebulosas nos conceitos de certo e errado, dando (cedo demais) a pessoas socialmente imaturas a liberdade de dizer: “isso é aceitável porque é o que eu quero”. E essa prática deve ser combatida a bem da civilidade. O mundo mudou, mas os valores primários continuam os mesmos. Pesar as palavras antes de apertar o enter, o clássico “pense antes de agir” que com certeza alguém tentou te ensinar continuam valendo.

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David Bowie: A ascensão de uma Estrela

David Bowie: A ascensão de uma Estrela

Com mais de 50 anos de carreira e tido como um dos artistas mais subversivos do século 20, David Bowie, que lutava há um ano e meio contra um câncer de fígado marcou gerações e construiu um legado. Apresentando trabalhos primorosos em todos os campos que lhe interessavam e se dispôs a atuar, Bowie serviu de inspiração para diversas manifestações artísticas e pessoais, se tornando um dos ícones do Glam Rock e sendo referenciado por outros famosos talentosos, como J.J. Abrams¹.

“Ele sempre fez o que quis fazer. E ele queria fazer do jeito dele, e queria fazer do melhor jeito. A morte dele não foi diferente de sua vida – um trabalho de arte. Ele fez Blackstar para nós, seu presente de despedida. Eu soube por um ano que isso seria dessa forma. Não estava, no entanto, preparado. Ele era um homem extraordinário, cheio de amor e de vida. Estará sempre conosco. Por agora, é apropriado chorar.”

Foram essas as palavras de Tony Visconti, amigo e produtor de David Bowie sobre a morte do cantor. Esse trecho, publicado na manhã desse fatídico dia 11 de janeiro não poderia ser mais pertinente à ocasião, e não está sendo fácil escrever sobre isso…

Bowie conseguiu resistir o suficiente para lançar seu último disco no dia 8 de janeiro, que nada coincidentemente corresponde também a data de seu aniversário. Aos recém completos 69 anos, ele vivia afastado dos holofotes e da mídia e havia sofrido seis ataques cardíacos nos últimos anos. Devido ao estágio avançado do câncer de fígado, de difícil recuperação por tratar-se de um diagnóstico complicado e quase sempre tardio, o cantor estava ciente de como seria seu fim e da assustadora proximidade do mesmo.

Blackstar, citado no trecho de Tony, é representado por uma estrela negra (★) e veio cercado de alegorias e referências à morte. É o vigésimo sexto CD do britânico, e menciona passagens da Bíblia e clássicos como “Laranja Mecânica”. No vídeoclipe do primeiro single homônimo ao disco, bastante aclamado pelos críticos, o cantor traz a imagem de um astronauta morto, facilmente referenciado ao eterno Major Tom sobre o qual fala a canção “Space Oddity“, de 1969, e que acaba sendo retratado também em outras obras do artista. Seu segundo single, “Lazarus“, entre representações mórbidas mais óbvias faz também uma clara analogia ao personagem bíblico Lázaro de Betânia, ressuscitado por Jesus Cristo no quarto dia após sua morte.

David Bowie viveu em arte, produzindo e inspirando-a. Apesar das debilidades da doença e do tratamento pesado, o cantor transformou sua passagem na saída de palco mais brilhante e comovente do mundo da música, dando um novo significado ao que é deixar a vida para entrar na história. Sua autenticidade e a capacidade de se reinventar sobrevivem como exemplos aos que não admitem ser enquadrados nos modelos tradicionais. E assim Bowie transcende, mais uma vez, com a certeza de que continuará influenciando gerações, deixando saudades e tornando-se uma estrela mais brilhante do ele mesmo supunha ser.

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¹ Na primeira temporada de Fringe (2008–2013), o personagem “David Robert Jones”, apresentado como um dos principais antagonistas da série faz referência a David Bowie e utiliza o nome de batismo do cantor. Na segunda temporada, “Thomas Jerome Newton” aparece como mais um dos vilões de um universo alternativo, sendo este o nome do personagem interpretado por Bowie no filme “The Man Who Fell to Earth“. O programa conta com produção, direção e roteiro de J.J. Abrams e é um super favorito de quem vos fala.

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O Limite da Amizade

O Limite da Amizade

Certa vez na faculdade um professor designou um trabalho extremamente chato para fim de período. Tratava-se do fichamento de uma das obras literárias mais importantes da história da filosofia e a principal de Aristóteles, Ética a Nicômaco.

Por ter esse amor à sabedoria considerei uma leitura excelente, mas ter que interrompê-la constantemente para realizar o fichamento tornou a tarefa desagradável. Agora – dois anos mais tarde -, dando uma segunda olhada no meu trabalho, esbarrei em um tópico que chamou minha atenção. Nele surge o questionamento:

Uma amizade deve chegar ao fim quando um dos amigos muda de caráter?

Faz sentido dizer que na sociedade atual existe de tudo, desde pessoas que descartam amizades e relacionamentos com a mesma rapidez com que fazem a digestão, até pessoas que insistem em amizades e relacionamentos falidos pela familiaridade e pelo apego.

Logo após o questionamento Aristóteles explica:

Se um bom homem se torna amigo de alguém no pressuposto de que essa pessoa é boa, mas acaba se tornando má, ele não deve imediatamente romper a amizade. Primeiro, deve tentar ajudar o amigo corrigir seu caráter.

Em prol dessa tentativa de dar ao meu amigo a chance de mostrar ser quem eu conheci e amei, acabei ultrapassando o limite do aceitável. Por meses me forcei a permitir que essas pessoas que me fizeram mal continuassem recebendo minha atenção; Ao minimizar os erros com pensamentos como “foi só uma mancada, é burrice me afastar por causa desse deslize”, descobri que burrice mesmo foi mantê-las por tanto tempo na minha vida, dando oportunidade para que cometessem diversas outras gafes, tornando nossa convivência um aborrecimento constante.

Demorei a abrir mão da familiaridade e do apego para enxergar que aquela pessoa com quem eu estava insistindo em ter um relacionamento não era o amigo que fiz anos atrás. Foi necessária muita força para cortar esses laços e tentar fazer isso da forma menos danosa possível, mantendo o respeito e tentando explicar que apenas não estava mais dando certo. E foi a melhor coisa que fiz por mim.

Enfim, o filósofo conclui:

Se o amigo está além de correção é aceitável acabar com a amizade.

Nunca será fácil se desfazer de alguém, nem mesmo quando esse alguém te der todos os motivos para isso, mas as vezes é necessário. Nem todas as relações devem para durar para sempre, principalmente aquelas que não fazem mais sentido quando se pensa no que uma amizade deve ser.

Aproveite esse começo de ano para se dar uma chance de viver melhor. Isso não é um incentivo para que você passe a descartar pessoas, apenas para que aprenda a redirecionar seu afeto para quem o merece, quem verdadeiramente te valoriza. Saiba respeitar os seus limites. Tire as pessoas tóxicas da sua vida e dê valor as que te fazem bem, ou pelo menos àquelas não te fazem mal.

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