Precisamos falar sobre o Oscar

Precisamos falar sobre o Oscar

Nas últimas semanas, muito barulho foi feito a respeito desse evento. Foi levantada a questão do “Oscar Branco”, por não ter havido indicação de nenhum ator negro a nenhuma das 24 categorias. Houve boicote por parte de artistas que preferiram não comparecer a festa que negligencia, em pleno século XXI, atuações primorosas e favorece sempre os tons mais claros do pantone humano. Durante a premiação (difícil de assistir), as constantes piadas de Chris Rock como anfitrião da noite insistiam em bater na tecla da questão racial, que acabou marcando a premiação por completo, tornando o clima a certo ponto desagradável para quem estava lá. Enquanto alguns forçavam o riso quando diante do foco da câmera, outros não disfarçavam o desprazer de estarem ali ouvindo aquilo. E como se não fosse suficiente, um ponto de virada surgiu com a aparição da presidente da Academia, que, por ser mulher e negra, só serviu para adicionar mais munição para aqueles que defendem a ideia de que não existe sexismo e discriminação racial em Hollywood.

Apesar de toda essa controvérsia, e provavelmente devido à ela, o Oscar de 2016 entrou para a história. Somando-se a todo esse burburinho o evento também ficou marcado como o ano em que Leonardo DiCaprio finalmente ganhou sua primeira estatueta na categoria de Melhor Ator, oficializando, de uma vez por todas, a morte de um meme cuja expectativa de vida ultrapassou a da maioria dos demais fenômenos da internet. Leonardo DiCaprio tem o seu Oscar e agora tudo o que podemos fazer é seguir em frente com nossas vidas. Ainda que ele necessitasse dessa vitória, acredito que Leo já interpretou papéis melhores e já foi mais digno da estatueta em outros anos, mas, de qualquer forma, há todo um mérito por não ter sido um prêmio de consolação, póstumo ou honorário. E ele merecia isso…

Ainda assim, fiquei um tempo considerando o que na minha opinião teria sido uma escolha mais justa, não só para essa categoria, mas para todas as demais. Prefiro nem entrar em detalhes sobre a questão Lady Gaga x Sam Smith… Enfim, não demorei a pensar nas premiações anteriores. Então decidi olhar alguns clássicos que considero excelentes e sua repercussão no Oscar de seus respectivos anos e descobri que, assim como “A Garota Dinamarquesa”, que não foi devidamente premiado, e “Carol”, que sequer foi indicado como Melhor Filme, muitos deles também não tiveram destaque em sua época.

5 produções que nunca foram indicadas como Melhor Filme pela Academia:

  • Cantando na Chuva (1951)

O Oscar ama musicais, cinco ganharam entre 1958 e 1968. E também ama filmes que falem sobre Hollywood. Recentemente tivemos “O Artista” e “Argo” desempenhando esse papel. Então por que “Cantando na Chuva”, um dos melhores filmes musicais já feitos e um dos melhores que falam sobre Hollywood só teve duas indicações? Talvez por ser considerado um musical jukebox, ou talvez tenha sido a inclinação cômica do roteiro – e brilhante como é, graças a performances impecáveis. De qualquer forma, o filme é desconcertante, tanto visualmente falando, como musicalmente. Ele narra a luta dos atores para se acostumarem ao cinema com falas e músicas, representando a importância da transição do cinema mudo para o falado em Hollywood e como isso afetou a vida de quem trabalhava na indústria. Mas, aparentemente aquele não era um bom ano para um Melhor Filme vintage levar a estatueta…

  • Um Corpo que Cai (1958)

Quão surpreso você está pelo distorcido psicodrama de Hitchcock não ter sido nomeado para Melhor Filme depende do quão familiarizado você está com a história da reputação do filme. Embora totalmente reabilitado agora, “Um Corpo que Cai” foi um fracasso comercial e de crítica quando lançado, mal conseguiu recuperar os gastos da produção e foi recebido de braços cruzados pelos críticos contemporâneos. O que só prova que as pessoas de antigamente eram loucas! Essa sublime história de perversão e obsessão começa quando um detetive aposentado que sofre de agorafobia¹ perde misteriosamente a mulher que ama. “Um Corpo que Cai” não tem a perfeição e precisão narrativa formal de muitos dos outros filmes de Hitchcock, e sua grandeza consiste justamente na confusão. O que reforça a dificuldade da Academia em aceitar as diferentes leituras e criações dependendo da época.

  • 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968)

Ainda não tivemos uma produção de ficção científica ganhando como Melhor Filme, e “Perdido em Marte” e “Mad Max” não mudaram o panorama esse ano. Talvez a omissão mais chocante do gênero tenha sido o longa de Stanley Kubrick, “2001”, pois não apenas perdeu o prêmio, sequer foi nomeado. O épico, baseado numa parceria entre Kubrick e Arthur C. Clarke, veio com efeitos inovadores e mudou o gênero para sempre, reafirmando, mais do que nunca, o status visionário de Kubrick. O diretor foi elogiado pela Academia — ele ganhou o Oscar de Melhores Efeitos Especiais, e foi nomeado para Melhor Direção de Arte, Melhor Direção e Roteiro Original, mas o filme em si ficou esquecido. Mesmo considerando seu impacto cinematográfico atual, é desconcertante que tenha sido ignorado quando o comparamos aos filmes que foram indicados naquele ano.

  • Manhattan (1979)

É interessante a forma com que “Manhattan” foi bem filmado. Recheado de piadas inteligentes sobre filosofia, religião, status social, ele transforma a cidade de Nova York num palco para a abordagem dos relacionamentos humanos pela ótica sofisticada e estilizada de Woody Allen. Todo em preto e branco, e com apenas músicas de George Gershwin na trilha sonora, esse filme pode ser encarado como a obra mais radical do diretor. A partir daí foi colocado em marcha um padrão que tem se repetido desde então… Após o sucesso com “Annie Hall”, que ganhou Melhor Filme, Direção e Roteiro, os filmes de Allen ganharam mais destaque, mas, apesar disso, apenas duas de suas inúmeras obras foram nomeadas a Melhor Filme. Isso prova que mesmo com uma carreira excepcionalmente bem sucedida, não é tão fácil ser colocado entre os melhores da Academia. Embora “Apocalypse Now”, “Norma Rae” e “O Show deve Continuar” estivessem disputando a categoria, quem levou a estatueta por Melhor Filme foi “Kramer vs Kramer”, uma escolha um tanto controversa…

  • Thelma & Louise (1991)

Quando um filme que recebe seis indicações nas principais categorias não consegue uma indicação de Melhor Filme, algo parece errado. Com Hans Zimmer na trilha sonora, e com a primeira indicação de Ridley Scott (Melhor Direção) por essa fantástica história de amizade, feminismo e empoderamento, era de se esperar pelo menos uma nomeação. Mas, obviamente, a disputa estava muito forte naquele ano, certo? Bem, nem tanto… Vamos admitir que “O Silêncio dos Inocentes” foi um vencedor muito digno, e “A Bela e a Fera” uma agradável surpresa como o primeiro filme de animação a ser indicado nessa categoria, mas para a época, “Thelma & Louise” foi uma produção verdadeiramente importante, e mais uma vez nos deparamos com a miopia da Academia quando se trata de valorizar produções históricas e socialmente relevantes.

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Esses são apenas cinco exemplos numa história de 88 premiações e incontáveis produções cinematográficas esquecidas pelos críticos da Academia, porém, aclamados pelo público. Existem erros e acertos, padrões e exigências a serem avaliados e cumpridos, mas a impressão que alguns resultados transmitem é que tudo não passa de uma escolha pessoal, genuína ou vendida, mas que não atribui às categorias o real sentido do Melhor em qualquer coisa. De qualquer forma, ano que vem estamos aí de novo, acordados além do aceitável numa madrugada de dia útil, engolindo propagandas de quase 10 minutos e comentários que tem ainda menos a ver com a premiação do que a escolha dos críticos, só para acompanhar o desempenho dos nossos preferidos na disputa…

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¹ Agorafobia: é um transtorno de ansiedade que muitas vezes referido como: medo incontrolável de espaços abertos.

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Cultura e Apropriação Cultural

Cultura e Apropriação Cultural

Lançado em 29 de janeiro, o novo clipe do Coldplay, Hymn for the Weekend, que conta com a parceria (miníma) de Beyoncé vem sendo altamente criticado e acusado de apropriação cultural. Entre as notícias, repetidas quase que identicamente em mil e um portais, está a questão do reforço dos esterótipos, da exploração da pobreza, do cenário e da religiosidade. As indignações também se referem ao lucro dessa produção, que renderia apenas aos artistas, deixando as regiões utilizadas na locação e os naturais da Índia a ver navios.

Aqui, não pretendo entrar no mérito dessa questão em especial, pretendo tentar entender o conceito de cultura, que é um tema bastante complexo, para então tentar explicar o que é apropriação cultural, que é mais complexo ainda. Antes de expor qualquer definição oficial de um e outro termo, preciso considerar que no meu inconsciente existiam dois tipos de cultura: A natural de um lugar ou povo, e a cultura comercial, fruto do intelecto de um ou mais indivíduos, que pode ou não ter sido desenvolvida com base na natural.

No primeiro caso, a cultura seria um bem comum, pertencente ao seu local de origem, mas livre para o consumo de qualquer interessado ou simpatizante. Ela diria respeito ao comportamento social daqueles inseridos em seu grupo, e seria passível de lucro através do turismo. No segundo caso, a cultura seria estritamente uma propriedade intelectual, pertencente a quem quer que a tenha criado ou patenteado, independentemente da influência da cultura natural, como acontece com a arte, a música, a literatura e os demais trabalhos autorais…

Segundo a sociologia e falando resumidamente, a explicação de cultura menciona que trata-se de um emaranhado de definições que dão significado à realidade que cerca uma pessoa ou um grupo de pessoas. Nesse emaranhado estão incluídas diversas questões, tais como: hábitos, regras sociais, crenças, línguas, tradições… Isso quer dizer que, independentemente do comportamento e do gosto de um indivíduo ser considerado bom ou ruim por você, sociologicamente ele é apenas diferente, e esse indivíduo possui cultura, apesar daqueles que vão contra suas expressões acreditarem que esta lhe falta, pois ter cultura é estar inserido num contexto social, e isso todos nós estamos.

Então surge a noção de apropriação, que é bastante rígida e não desacredita inteiramente o meu conceito pessoal de cultura, embora também não o reafirme. Em sua compreensão, apropriação cultural é a adoção ou representação de elementos específicos de uma cultura por um grupo não pertencente a ela. Normalmente envolve membros de uma comunidade dominante que exploram a cultura daquelas menos privilegiadas – muitas vezes com pouca compreensão de sua história, experiência e tradições. Essa reivindicação ocorre quando ícones desses grupos desprivilegiados são tirados de seu povo e transformados em mercadorias e fantasias, pois, uma vez removidos de seus contextos culturais, seus significados divergem do original.

A realidade da globalização e seu efeito de troca vem se chocando com esses conceitos. Uma vez que a dissolução das fronteiras ocorre, o intercâmbio cultural aumenta, e esse movimento, que intenta o progresso em conjunto das diferentes nações, acaba facilitando a desvalorização dos costumes regionais. Assim manifesta-se a dinâmica de poder entre culturas e as constatações de comportamento etnocêntrico¹ e xenofóbico² para com aquelas mais diferentes. O reconhecimento dos hábitos de povos social e economicamente distantes cria um processo de troca unilateral no qual as culturas marginalizadas podem sofrer discriminações étnicas por seus costumes, e, ao mesmo tempo, as culturas privilegiadas podem mercantilizar seus signos e linguagem para criar moda, gerar entretenimento e até para ridicularização dos mesmos.

Antes de buscar o significado dessas ideias a crítica ao clipe me pareceu absurda, mas compreendi sua necessidade e reconheço sua legitimidade, ainda que não concorde inteiramente com o que configura erro nesses casos. Portanto, não condeno os cantores, primeiro por não ser esse o meu papel, segundo, por não serem os primeiros (nem os últimos) a realizarem algo desse tipo, seja com a Índia ou com a cultura de qualquer outro lugar. Acredito que se é para começar a responsabilizar as expressões artísticas pelos padrões repetidos e o reforço de estereótipos, o próprio país deveria, para começo de conversa, desenvolver leis de regulamentação e comercialização de seus símbolos.

Os brasileiros também não reagem bem quando um estrangeiro se espanta ao descobrir que não vivemos no meio dos macacos na Amazônia. Sim, muitos ainda tem essa imagem do Brasil. Assim, percebo a importância de compreender esses conceitos para saber discernir quando ocorrem, e entendo por que incomodam. É preciso aprender a lidar com culturas não dominantes e respeitá-las. Qualquer reivindicação sobre o uso indevido de seus elementos devem ser levados em consideração. É como dar voz a uma minoria, e o que seria mais tolerante, includente e respeitoso do que ouvir o que ela tem a dizer sobre a representação de seus costumes?

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¹ Etnocêntrico: de etnocentrismo. Visão de mundo característica de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade socialmente mais importante do que os demais.

² Xenofóbico: que demonstra medo, aversão ou profunda antipatia em relação aos estrangeiros. Desconfiança em relação a pessoas estranhas ao meio daquele que as julga ou que vêm de fora do seu país. A xenofobia pode ter como alvo não apenas pessoas de outros países, mas de outras culturas, subculturas, sistemas de crenças ou características físicas. O medo do desconhecido pode ser mascarado no indivíduo como aversão ou ódio, gerando preconceitos, ainda que nem todo preconceito seja necessariamente causado por xenofobia.

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