Obrigada

Eu fiquei com a melhor parte.

Não que importe para você, mas importa para mim.

Talvez você nem pense mais nisso, em mim e tudo que passamos no tempo que tivemos, ou talvez ainda sinta o tormento que senti por muitos anos depois que tudo teve um fim. Eu lembro que fui eu que defini esse fim, mas o fiz por necessidade. Sabe, quando você passa a permitir que alguém te magoe quase diariamente, só por amor, afeição e apego é sinal de que você talvez precise de ajuda.

Eu precisava.

Enxerguei essa necessidade, minha fraqueza, meus erros e ao que eu vinha me submetendo a viver por querer te manter perto de mim. Diagnostiquei minha doença e ela tinha nome próprio, o seu. E depois disso, ainda tardei a aceitar que a única cura era a distância.

Desde que nos apartamos sonhei contigo incontáveis noites. Os sonhos nunca eram bons, e eu não gostava da sua imagem de forma recorrente no meu subconsciente. Há quem diga que quando isso acontece é porque o outro ainda pensa em você, está falando de você. Eu não sei, talvez você ainda se junte com uma ou duas pessoas para falar mal de mim, pois tenho certeza que já se entreteu algumas horas com isso, como eu me entreti também. Não sou hipócrita a ponto de negar que relembrar seus pontos negativos e suas atitudes idiotas foram excelentes aceleradores para queimar o resto de afeição que eu sentia por você. E eu abusei desse método nessa e em outras situações.

Por mais preciosa que uma relação seja, que a nossa fosse (como eu a via e sentia), por mais falta que eu tenha sentido de você quando nos afastamos, senti também um alívio que não consigo explicar. Te dizer tudo que me estava entalado foi definitivamente como tirar um boi das costas. E depois de feito, eu sequer chorei… Me senti liberta.

Foi uma pena você não ter recebido bem, por mais que eu tenha me empenhado em nos findar de forma educada e respeitosa. Acho que sua reação diz bastante sobre quem você é, o caráter que tem, e quanto difere de quem eu sou. Acho que serviu para deixar mais claro que eventualmente aquele seria o nosso destino.

É incrível como pequenas coisas da vida acabam nos fazendo trombar com uma referência que nos leva a pensar diretamente em alguém que queremos esquecer. E foi assim que me peguei pensando em você hoje, depois de tanto tempo sem lembrar que habitávamos a mesma terra. Foi o que me motivou a escrever isso tudo aqui…

Em meus devaneios, percebi que fiquei com a melhor parte do desfeito.

Sim, perdi alguém com quem eu contava para tudo, tive minha confiança traída, nunca mais me permiti ter nada sequer parecido com outra pessoa, mas, mesmo sem me esforçar para isso, ganhei a melhor fatia do bolo.

Não vou fingir que não existe uma disputa camuflada quanto a quem se deu melhor na vida depois do fim, existe sim, e hoje eu sinto que tenho motivos para acreditar que me dei bem. Pelo pouco que ouvi de quem você se tornou, por conhecidos que ainda não entenderam que de você não quero ouvir nem o nome, nada pareceu ter mudado.

Suas noções parecem as mesmas. As mesmas limitações autoimpostas, a mesma falta de personalidade, a mesma carência exacerbada, ainda colocando a responsabilidade da sua felicidade em cima dos outros… Considero isso uma queda alta e brutal. Pior que não melhorar, é continuar o mesmo quando não se é uma pessoa boa.

Se ainda penso em você? Às vezes…

Se sinto sua falta? Não.

Sinto falta do que eu achei que tivéssemos, e claramente não tínhamos. Sinto falta de experimentar o gosto da idealização, algo que perdi quando te deixei de lado. Você tirou um pedaço muito grande de mim. Idealizar soa parecido demais com autoenganação, e isso eu nunca mais vou me permitir, mas utilizar esse recurso era um truque que ajudava a adoçar a vida em momentos não tão fortuitos.

Depois de você abandonei o açúcar. Hoje uso adoçante. Todo mundo sabe que não é a mesma coisa, mas faz menos mal à saúde. Física e mental… No processo, perdi peso, ganhei confiança, aprendi a dizer não, aprendi a impor limites, aprendi a não aceitar menos do que dou, menos do que sou. Aprendi o que é prioridade, e não tem nada mais gostoso que isso, nem chocolate.

Gordofobia Rio 2016

Noite preguiçosa de sexta, assistindo a apresentação das atletas do arremesso de peso feminino na #ESPN… Todas gordas, mas e daí? Não é novidade nenhuma que pessoas sobrepeso e obesas são tão capazes de agilidade, força e coordenação motora quanto uma pessoa considerada magra ou de tamanho padrão. E então veio o comentário que eu não esperava:

“Apesar do tamanho das moças aí, essa é uma prova de velocidade.”

Ta aí uma frase que eu não pensei ouvir, ao vivo, em plena Olimpíadas. Prontamente comentei com amigos que também estavam assistindo à transmissão para constatar que eu não havia ouvido errado, e eu tinha escutado bem demais. Naturalmente não pude manter o planejamento do texto que seria publicado aqui hoje. Então vamos falar (de forma breve) sobre gordofobia e sua versão mais desprezível, a gordofobia disfarçada.

Por mais que não tenha sido usado nenhum termo pejorativo, a forma como a frase foi falada, com a entonação e o contexto em que está inserida, ela acaba por se tornar, sim, um insulto. Ela delimita uma clara linha de capacidade – ou da falta dela, a partir da forma física das pessoas, não apenas das atletas em questão, mas de todas as pessoas que compartilham aquela condição. Interessante que, ao assistir o rugby também vemos atletas gordos, mas não lembro de nada ter sido dito a respeito de sua forma física. Talvez eu tenha perdido algum jogo, ou talvez fosse outro comentarista.

Isso nos faz pensar no quanto esse tema ainda é ignorado e encarado como piada hoje em dia. Tem sempre alguém pra dizer que quem reclama de gordofobia, machismo e homofobia está se vitimizando, ~cagando regras~ ou ~problematizando~ (como virou moda rotular), sobre questões que não passam de brincadeiras, parte da cultura ou da religião, respectivamente. Para essas pessoas, bullying não existe, a gente leva tudo a ferro e fogo, não temos senso de humor… Bom, em certos assuntos não cabe mesmo nenhum senso de humor.

Certamente esse jornalista, se é que se trata de um, não será repreendido por seu “lapso”. Por explanar de forma tão ~inocente~ sua opinião, pura gordofobia disfarçada, sobre um assunto que atinge mais de 50% da população brasileira, mais de 2,1 bilhões de pessoas sobrepeso e obesas ao redor do mundo, e principalmente, as mulheres que estavam sendo expostas naquele campo, acenando para o público, após anos de treinamento para se tornarem boas o suficiente ao ponto defenderem seus países numa competição mundial.

É ultrajante que esse tipo de coisa aconteça, e mais ultrajante ainda que seja tolerada. Você não precisa gostar de gordos nem querer ser um, você precisa apenas não desrespeitá-los, não desmerecê-los, e não julgá-los por sua forma. Qualquer incapacidade de viver dessa forma acaba por dizer muito sobre o tamanho e o peso do seu caráter.

Cidadania: Um Exercício Diário

Como não sou uma pessoa mal educada, frequentemente esqueço que elas existem. Como humana e civilizada, eu aprendi desde muito nova  minha responsabilidade como pedestre. Respeitar o sinal, atravessar na faixa, olhar para os lados, enfim, o básico… O que não quer dizer que eu sempre respeite essas regras, mas que tenho consciência, quando as infrinjo, que se algo acontecer comigo, a culpa provavelmente será minha.

Frequentemente ocorrem acidentes entre pedestres, ciclistas, motoqueiros e carros de passeio, ônibus ou caminhões. Quando acontece algo desse tipo eu automaticamente acarreto a culpa ao maior “agressor”, que, nesse caso, é o veículo de grande porte. Só não condeno o motorista quando a apuração do caso prova que ele não teve culpa… O interessante é que quase sempre essas histórias somem da mídia antes de responderem quem atravessou o caminho de quem. E no noticiamento do fato recente, o motorista acaba ficando estigmatizado pela fatalidade.

Por esses dias, eu e minha mãe atravessávamos na faixa com o sinal aberto para os pedestres. Íamos do lado que havia ciclovia, para o lado da faixa dos ônibus. Eu cheguei a calçada primeiro e ela logo atrás de mim. O que eu não percebi (e não esperava) era um ciclista que vinha se espremendo, em movimento e alta velocidade, entre o meio fio e os carros parados no sinal. Não satisfeito em estar do lado oposto à ciclovia e em quase atropelar minha mãe, ele ainda berrou no ouvido dela ao passar para que ela saísse do caminho.

Ela acabou respondendo e ele não gostou do fato dela ter reagido a seu atrevimento. Então, deu meia volta com a bicicleta e resolveu comprar briga… A rua toda parou para olhar, mas naturalmente ninguém fez nada, afinal, estamos no Brasil. Talvez, mais dia, menos dia, esse indivíduo acabe atropelado por aí, possivelmente por culpa dele mesmo, e é provável que essa se torne mais uma situação em que o motorista acaba, aos olhos do público, como o culpado.

Como jornalista, sou compelida a buscar a verdade, os dois lados da história, antes de ir acender uma vela no local do ocorrido pela alma do pobre vitimado. Mas como humana, sou automaticamente levada a acreditar que o galho quebrado é o que foi prejudicado, e nem sempre é esse o caso. Estou falando sobre mim, mas sei que muitos por aí acabam fazendo o mesmo.

Precisamos perder esse hábito e nos reeducarmos não só como pedestres, ciclistas e motoristas, mas principalmente, como cidadãos. Precisamos entender a nossa responsabilidade diante de todas as situações, do mundo, das nossas vidas e da vida daqueles que nos cercam. Só assim poderemos começar a construir uma nação. Por enquanto, somos só um bando de gente existindo no mesmo pedaço de chão…

O Esnobismo do Brasileiro

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Em meio a maior crise econômica pela qual o país já passou, todos se preparam para as Olimpíadas, exceto os brasileiros sensatos. Eu particularmente prefiro o termo OlimPiadas… Além da vergonha internacional em larga escala a qual o Brasil foi submetido pelos escândalos políticos, viramos alvo de diversas sátiras e críticas que considero bem merecidas. Mas, para justificar minha ojeriza ao evento, vou ilustrar o circo lembrando do que ocorreu apenas na semana passada:

Temos obras inacabadas, superfaturadas e malfeitas, risco de ataque terrorista, sequestro relâmpago de atletas, despreparo das forças de segurança em todos os níveis, falta de recursos em hospitais para atender a qualquer demanda, prováveis catástrofes com desabamentos, mortos e feridos pelas obras que citei acima ou qualquer outra desgraça que possa ocorrer, Vila Olímpica aos cacos, Bahia de Guanabara mais radioativa que o lixão da Dona Lucinda… Já chega, não é?

Não, não é. Antes fossem só esses os problemas do país. Nosso currículo está realmente podre! Nunca as taxas de desemprego foram tão altas. Por todos os lados, cortes em empresas colocam funcionários com anos de carreira com agenda toda livre. Há também a troca de profissionais graduados por estagiários. Eles são mais baratos, e não se engane, aquele que for fisgado nessa pescaria terá que desempenhar as funções de quem antigamente era considerado tubarão. Quem aguentar o tranco com certeza vai aprender bastante, mas não é todo mundo que consegue encarar tanta responsabilidade de cara.

Enquanto isso, do outro lado do oceano, o tubarão se vê reduzido a plâncton em pleno vazamento de óleo. A quem está sem emprego resta muita incerteza sobre o futuro, além da atribulação de questões (i)morais completamente enlouquecedoras. Primeiro vem o choque: um dia você mal tem tempo para assistir um filme, no outro, pode embarcar numa maratona na Netflix, pois tempo é tudo o que você tem. Em princípio pode ser que soe como um bom descanso, necessário e merecido, mas em questão de horas isso se torna um dos maiores tormentos que um adulto poderia enfrentar.

Quando você experimenta a dura realidade de estar cadastrado em mais de 20 sites de vagas, enviando currículos para diversos cargos – inclusive inferiores a sua formação e experiência, e não recebe NENHUM feedback de NENHUMA empresa, a coisa realmente começa a te consumir fisicamente. Todo esse estresse age como veneno no corpo. Surgem coceiras aqui, pintas ali, o cabelo cai, a pele fica terrível, a insônia surge, a libido desaparece, e em algum momento você começa a desejar a morte. E entende que talvez precise de uma ajuda psiquiátrica, mas, cadê a grana para pagar o plano de saúde?

Eventualmente, você se vê diante da opção de se candidatar a vaga de caixa em loja de departamento, atendente de farmácia, garçom, e até pensa em prostituição… Mesmo que se consiga ultrapassar o esnobismo em prol da necessidade de sobrevivência, em certo grau e ainda que de forma camuflada, ele fala mais alto. Seus desejos internos pedem que não venha nenhuma resposta daquela vaga, já que não vieram de tantas outras. O caso aqui não é desprezar a dignidade do trabalho de atendente ou garçom, mas é ter que engolir que você estudou e trabalhou para não ter que servir ninguém, e agora talvez tenha que recorrer a essa opção para poder se sustentar.

Se imaginar naquele cargo se torna inevitável, a imagem dos tipos de pessoa que você terá que servilmente servir ficam nítidas: ex companheiros de trabalho e demais atividades, amigos, conhecidos, pessoas que te odeiam, pessoas que você odeia, pessoas que iam se regozijar de saber que você está fodido carregando uma bandeja para poder sobreviver, pois você virou vítima da crise. Com isso, os sentimentos de incompetência, impotência e injustiça se tornam abrasadores. Você não deveria estar passando por aquilo… E não é a toa que tanta gente cometa suicídio diante da falência.

Há quem passe por cima desse orgulho com praticidade, mas em geral, para a maior parte das pessoas é muito difícil aceitar se sujeitar a essa mudança radical. Isso me faz pensar num assunto que foi bastante debatido enquanto rolavam manifestações pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff. Uma família foi “fazer a sua parte” e protestar contra o governo, e levou consigo a babá que empurrava o carrinho de uma criança. A imagem foi registrada e viralizou na internet. Entre o burburinho causado nas redes sociais, uma questão foi levantada e permaneceu no meu inconsciente.

A tal família, muito condenada por sua atitude, publicou uma carta aberta apontando o quão digno era o trabalho daquela babá, que ela era um membro da família, estava recebendo todos os direitos previstos pela lei e que não havia vergonha nenhuma naquele trabalho. É verdade, mas, em sábia resposta alguém rebateu: “o dia que um abastado crescer querendo ser babá, faxineira ou garçom, nós voltamos a essa discussão.” Embora pareça extremamente esnobe colocar a situação dessa forma, em preto ou branco, sem considerar o cinza e as outras cores, estamos lidando com a verdade nua e crua.

E para alguém que ocupava um cargo de prestígio, de repente se ver colocando currículos para vagas financeiramente e em termos de formação, inferiores, é um tapa na cara. Você valoriza essas profissões, desde que não tenha que desempenha-las. Isso é sim um tipo de hipocrisia, e ela pode ditar se você vai sobreviver a crise ou afundar com ela. A divisão de classes foi e sempre será uma pedra no caminho da evolução social. E olha que eu não sou comunista, sou pró capitalismo, mas ele é cruel, é para poucos, e muitos que desfrutavam dele, hoje já não podem mais.

Para consertar o país seria necessário consertar seus cidadãos, ou pelo menos ensinar-lhes o real conceito de cidadania e igualdade, que não tem nada a ver com justiça, mas fariam diferença para o convívio em sociedade. Seria necessário derrubar as barreiras que criamos entre A, B, C e lembrar que existem pessoas abaixo da linha da pobreza que adorariam ter a opção de poder servir mesas para levar o sustento para casa. Seria preciso entender que enquanto a gente reclama que não pode mais ir ao cinema como antes, muitos não tem um teto, nem o que comer.

Vamos repensar nossos preconceitos, abandonemos o esnobismo…

Não é vergonha tê-los, mas é vergonhoso querer mantê-los.

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