Precisamos falar sobre o Oscar

Precisamos falar sobre o Oscar

Nas últimas semanas, muito barulho foi feito a respeito desse evento. Foi levantada a questão do “Oscar Branco”, por não ter havido indicação de nenhum ator negro a nenhuma das 24 categorias. Houve boicote por parte de artistas que preferiram não comparecer a festa que negligencia, em pleno século XXI, atuações primorosas e favorece sempre os tons mais claros do pantone humano. Durante a premiação (difícil de assistir), as constantes piadas de Chris Rock como anfitrião da noite insistiam em bater na tecla da questão racial, que acabou marcando a premiação por completo, tornando o clima a certo ponto desagradável para quem estava lá. Enquanto alguns forçavam o riso quando diante do foco da câmera, outros não disfarçavam o desprazer de estarem ali ouvindo aquilo. E como se não fosse suficiente, um ponto de virada surgiu com a aparição da presidente da Academia, que, por ser mulher e negra, só serviu para adicionar mais munição para aqueles que defendem a ideia de que não existe sexismo e discriminação racial em Hollywood.

Apesar de toda essa controvérsia, e provavelmente devido à ela, o Oscar de 2016 entrou para a história. Somando-se a todo esse burburinho o evento também ficou marcado como o ano em que Leonardo DiCaprio finalmente ganhou sua primeira estatueta na categoria de Melhor Ator, oficializando, de uma vez por todas, a morte de um meme cuja expectativa de vida ultrapassou a da maioria dos demais fenômenos da internet. Leonardo DiCaprio tem o seu Oscar e agora tudo o que podemos fazer é seguir em frente com nossas vidas. Ainda que ele necessitasse dessa vitória, acredito que Leo já interpretou papéis melhores e já foi mais digno da estatueta em outros anos, mas, de qualquer forma, há todo um mérito por não ter sido um prêmio de consolação, póstumo ou honorário. E ele merecia isso…

Ainda assim, fiquei um tempo considerando o que na minha opinião teria sido uma escolha mais justa, não só para essa categoria, mas para todas as demais. Prefiro nem entrar em detalhes sobre a questão Lady Gaga x Sam Smith… Enfim, não demorei a pensar nas premiações anteriores. Então decidi olhar alguns clássicos que considero excelentes e sua repercussão no Oscar de seus respectivos anos e descobri que, assim como “A Garota Dinamarquesa”, que não foi devidamente premiado, e “Carol”, que sequer foi indicado como Melhor Filme, muitos deles também não tiveram destaque em sua época.

5 produções que nunca foram indicadas como Melhor Filme pela Academia:

  • Cantando na Chuva (1951)

O Oscar ama musicais, cinco ganharam entre 1958 e 1968. E também ama filmes que falem sobre Hollywood. Recentemente tivemos “O Artista” e “Argo” desempenhando esse papel. Então por que “Cantando na Chuva”, um dos melhores filmes musicais já feitos e um dos melhores que falam sobre Hollywood só teve duas indicações? Talvez por ser considerado um musical jukebox, ou talvez tenha sido a inclinação cômica do roteiro – e brilhante como é, graças a performances impecáveis. De qualquer forma, o filme é desconcertante, tanto visualmente falando, como musicalmente. Ele narra a luta dos atores para se acostumarem ao cinema com falas e músicas, representando a importância da transição do cinema mudo para o falado em Hollywood e como isso afetou a vida de quem trabalhava na indústria. Mas, aparentemente aquele não era um bom ano para um Melhor Filme vintage levar a estatueta…

  • Um Corpo que Cai (1958)

Quão surpreso você está pelo distorcido psicodrama de Hitchcock não ter sido nomeado para Melhor Filme depende do quão familiarizado você está com a história da reputação do filme. Embora totalmente reabilitado agora, “Um Corpo que Cai” foi um fracasso comercial e de crítica quando lançado, mal conseguiu recuperar os gastos da produção e foi recebido de braços cruzados pelos críticos contemporâneos. O que só prova que as pessoas de antigamente eram loucas! Essa sublime história de perversão e obsessão começa quando um detetive aposentado que sofre de agorafobia¹ perde misteriosamente a mulher que ama. “Um Corpo que Cai” não tem a perfeição e precisão narrativa formal de muitos dos outros filmes de Hitchcock, e sua grandeza consiste justamente na confusão. O que reforça a dificuldade da Academia em aceitar as diferentes leituras e criações dependendo da época.

  • 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968)

Ainda não tivemos uma produção de ficção científica ganhando como Melhor Filme, e “Perdido em Marte” e “Mad Max” não mudaram o panorama esse ano. Talvez a omissão mais chocante do gênero tenha sido o longa de Stanley Kubrick, “2001”, pois não apenas perdeu o prêmio, sequer foi nomeado. O épico, baseado numa parceria entre Kubrick e Arthur C. Clarke, veio com efeitos inovadores e mudou o gênero para sempre, reafirmando, mais do que nunca, o status visionário de Kubrick. O diretor foi elogiado pela Academia — ele ganhou o Oscar de Melhores Efeitos Especiais, e foi nomeado para Melhor Direção de Arte, Melhor Direção e Roteiro Original, mas o filme em si ficou esquecido. Mesmo considerando seu impacto cinematográfico atual, é desconcertante que tenha sido ignorado quando o comparamos aos filmes que foram indicados naquele ano.

  • Manhattan (1979)

É interessante a forma com que “Manhattan” foi bem filmado. Recheado de piadas inteligentes sobre filosofia, religião, status social, ele transforma a cidade de Nova York num palco para a abordagem dos relacionamentos humanos pela ótica sofisticada e estilizada de Woody Allen. Todo em preto e branco, e com apenas músicas de George Gershwin na trilha sonora, esse filme pode ser encarado como a obra mais radical do diretor. A partir daí foi colocado em marcha um padrão que tem se repetido desde então… Após o sucesso com “Annie Hall”, que ganhou Melhor Filme, Direção e Roteiro, os filmes de Allen ganharam mais destaque, mas, apesar disso, apenas duas de suas inúmeras obras foram nomeadas a Melhor Filme. Isso prova que mesmo com uma carreira excepcionalmente bem sucedida, não é tão fácil ser colocado entre os melhores da Academia. Embora “Apocalypse Now”, “Norma Rae” e “O Show deve Continuar” estivessem disputando a categoria, quem levou a estatueta por Melhor Filme foi “Kramer vs Kramer”, uma escolha um tanto controversa…

  • Thelma & Louise (1991)

Quando um filme que recebe seis indicações nas principais categorias não consegue uma indicação de Melhor Filme, algo parece errado. Com Hans Zimmer na trilha sonora, e com a primeira indicação de Ridley Scott (Melhor Direção) por essa fantástica história de amizade, feminismo e empoderamento, era de se esperar pelo menos uma nomeação. Mas, obviamente, a disputa estava muito forte naquele ano, certo? Bem, nem tanto… Vamos admitir que “O Silêncio dos Inocentes” foi um vencedor muito digno, e “A Bela e a Fera” uma agradável surpresa como o primeiro filme de animação a ser indicado nessa categoria, mas para a época, “Thelma & Louise” foi uma produção verdadeiramente importante, e mais uma vez nos deparamos com a miopia da Academia quando se trata de valorizar produções históricas e socialmente relevantes.

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Esses são apenas cinco exemplos numa história de 88 premiações e incontáveis produções cinematográficas esquecidas pelos críticos da Academia, porém, aclamados pelo público. Existem erros e acertos, padrões e exigências a serem avaliados e cumpridos, mas a impressão que alguns resultados transmitem é que tudo não passa de uma escolha pessoal, genuína ou vendida, mas que não atribui às categorias o real sentido do Melhor em qualquer coisa. De qualquer forma, ano que vem estamos aí de novo, acordados além do aceitável numa madrugada de dia útil, engolindo propagandas de quase 10 minutos e comentários que tem ainda menos a ver com a premiação do que a escolha dos críticos, só para acompanhar o desempenho dos nossos preferidos na disputa…

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¹ Agorafobia: é um transtorno de ansiedade que muitas vezes referido como: medo incontrolável de espaços abertos.

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Complexo de Mártir

Complexo de Mártir

Meus problemas são maiores que os seus…

Certamente você conhece alguém que reforça essa ideia. O hábito de querer quantificar quem sofre mais pelo número, natureza e gravidade dos problemas é uma clara demonstração de baixa autoestima e exagerado autocentrismo. Sim, essas duas características podem coexistir na mesma personalidade. A falta de confiança e a visão negativa que alguém faz de si próprio pode muito comumente levá-lo a desejar receber atenção por pena. É a manifestação da vontade ser visto como um herói por ter resistido à tantas pancadas da vida. É o desejo de receber méritos por sua bravura, ou simplesmente adquirir o título de “mais azarado da turma”, para ter a sensação do que é ser campeão em alguma coisa – ainda que não seja em algo positivo, quando sente que está cercado por pessoas com vidas infinitamente mais tranquilas e ricas em sorte que a sua.

Realmente, existem muitas pessoas em desvantagem quando comparadas a outras de seu círculo social, e é humano que elas tentem buscar vitória em alguma coisa, mesmo que essa coisa seja o número de fracassos. Obviamente ninguém se orgulha dos próprios insucessos, mas continuar a ser uma pessoa de bem depois de ter passado por tantas provações acaba te atribuindo um tipo de triunfo por suas virtudes. Faz você parecer muito mais bravo e resistente do que de fato é, embora possua sim alguma bravura e resistência… Tem gente que pensa que tudo que já sofreu na vida pode ao menos servir para fazer com que seja visto com olhos de admiração por aqueles que o conhecem, e muitas pessoas com esse complexo buscam o título de mais sofredoras que Maria do Bairro.

Se essa pessoa conseguisse perceber, e apenas perceber, a força e capacidade que possui por ter passado por tantas situações sem desviar da retidão, essa poderia ser contada como uma de suas qualidades. Porém, para quem é assim, essa percepção se manifesta em forma de inferioridade, diminuindo o valor da força e ressaltando justamente o lado ruim, que seria a extrema falta de sorte. Pessoas assim rapidamente tentam compensar esse autodesprezo inventando uma competição; Todo mundo tem um amigo que, ao ouvir o relato de uma adversidade parece tentar ser otimista e mostrar para você o quanto a situação não é tão ruim quanto você pensa, quando, na verdade, ele usa desse artifício para compartilhar o próprio infortúnio, comparando-o ao seu e tentando diminuir a importância daquilo que você está passando.

É natural que compartilhemos nossas tristezas com os mais próximos, mas precisamos nos manter atentos para não tornar isso um vício e não transformar todas as conversas em desabafos. De pequenos maus hábitos podem nascer más personalidades. Pode ser que no seu interior você sinta que sofreu mais que outros. Desde que você não se comporte como tal e não alimente a ideia, isso não o rotula como alguém com complexo de mártir. É preciso compreender que só você sabe o quanto já sofreu. Só você sentiu, pois seus sentimentos são apenas seus. A forma como você reage ao que lhe acontece só pode ser conhecida por você mesmo. Suas dores só são importantes para você, talvez (e no máximo) para sua mãe, pai, ou alguém que sofra de verdade ao te ver sofrer e ninguém além disso.

Ainda que nos sintamos compreendidos por outra pessoa, ou que ela tenha úteis e sábias palavras de conforto para nos transmitir, não significa que sejamos de fato compreendidos. A empatia é uma característica admirável – quando é genuína, mas ela não garante que alguém sinta a mesma dor que você está sentindo ou que sequer a compreenda realmente, mas no fim isso não importa. O que importa é o ombro amigo que se recebe num momento de necessidade. Então, não cabe a você comparar e quantificar seus problemas com o de outros de sua convivência, o que cabe é saber ser amigo também, é saber ouvir, é compartilhar se quiser, mas nunca, em hipótese alguma, se tornar o tipo de pessoa que age como se o que os outros passam não fosse tão grave ou relevante quanto o que você passa.

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A Teoria da Negação

A Teoria da Negação

Levei alguns anos pra aprender determinadas coisas. Matemática, por exemplo, não aprendi até hoje. Certa vez, no colégio, uma professora veio dizer que eu chegava a resposta correta por um caminho muito complicado, quase inverso, e que não envolvia em nada a fórmula que eu deveria usar. Sinceramente, nem eu sei como conseguia chegar ao resultado dessas questões, e apesar do acerto, ela era obrigada a me dar zero por não usar a fórmula pedida. Não me venha com Bhaskara, sou de humanas. Prefiro teorias à fórmulas… Ainda assim, algumas teorias dão bastante trabalho, e a que mais me trouxe dor de cabeça nos últimos anos foi a da negação.

Como natural dos signos de terra, embora não leve essa coisa de astrologia tão a sério assim, bati muito a cabeça antes de entender que nem sempre aquele NÃO que a vida te enfia goela abaixo e contra o qual você se debate não se trata de uma negação de felicidade. Às vezes aquele não é um alerta de furada iminente, ou serve para pontuar que você não está pronto para lidar com as consequências de determinada escolha. Essa negação vem quando nem você mesmo tem ideia de que aquilo que te enche os olhos agora pode te prejudicar daqui a pouco. Da mesma forma que você não tem noção que aquele pedacinho a mais de chocolate (ao qual você não conseguiu resistir) pode ser a soma que vai extrapolar os limites do tolerável e te deixar três dias de piriri.

Acontece que entender a teoria da negação não é tão simples quanto parece. Para isso, você precisa assimilar um pouco a lógica da vida, a razão por trás de cada não e aprender a resistir a revolta por não ter sua vontade atendida. São os tipos de coisa que todos temos conhecimento empírico, que dizemos aos amigos quando estão em momentos de crise, mas falhamos ao aplicar a nossa própria realidade quando somos nós a vivenciar uma dúvida ou caos. Isso não tem nada a ver com enfrentar as adversidades, nem com esperar sentado até que a vida, birrenta, resolva te entregar aquilo que você deseja. Se alguém não está pronto para lidar com algo hoje, não estará pronto para lidar amanhã, a menos que lute para isso, e, ainda assim, não irá aprender como agir certo do dia para a noite.

Sobre as coisas que podem fazer mal e aquelas para as quais não estamos preparados, nos casos de insistência após a negação são aplicadas aquelas fórmulas matemáticas que eu não entendo como um tipo de reação cármica pela teimosia, e as possibilidades negativas vão sendo multiplicadas. O que era ruim fica pior, e o nó que você não conseguia desatar vira um novelo imenso que te persegue ladeira abaixo. Quando essas situações saem de controle criam tantas variáveis que uma hora você não sabe mais de onde estão vindo tantos números novos, e o resultado dessa equação infernal pode te fazer sentir dores em lugares que você nem sabia que existiam no seu corpo.

É a nossa incapacidade em apreender essa lógica e exercer conformidade com a ação do tempo que justificam a existência dessa teoria para algumas privações impostas pela vida. E é por causa da necessidade desse controle feito por uma força maior (chame-a do que quiser) que muitas questões significativas para o nosso crescimento pessoal estão além do nosso poder decisão. Liberdade, nesse caso, não é sinônimo permissão. Logo lembro daquela frase que minha mãe sempre dizia: “querer não é poder”, e complemento a isso que: querer ou poder também não é o mesmo que merecer, e merecer pode significar algo bom, algo ruim ou algo pior ainda.

De qualquer forma, o não espiritual daquilo que se almeja nem sempre significa punição. Não quer dizer que você não é merecedor daquilo que considera felicidade, quer dizer que às vezes aquilo que você acha que te traria felicidade não passa de uma ilusão, algo com o qual não vale a pena perder tempo, ou com o qual você não está preparado para lidar nesse momento… Está sendo dada a você a chance de se privar de consequências piores do que uma decepção efêmera. A chance de refletir sobre suas escolhas, sobre suas ações, e sobre sua própria capacidade de conviver com elas.

Você precisa aprender a aceitar as perdas que vai sofrer pelo caminho antes de conseguir o que quer, sem se deixar desvirtuar pela revelia, para que no fim das contas você mereça, receba e saiba lidar com aquilo pelo que tanto lutou.

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Cultura e Apropriação Cultural

Cultura e Apropriação Cultural

Lançado em 29 de janeiro, o novo clipe do Coldplay, Hymn for the Weekend, que conta com a parceria (miníma) de Beyoncé vem sendo altamente criticado e acusado de apropriação cultural. Entre as notícias, repetidas quase que identicamente em mil e um portais, está a questão do reforço dos esterótipos, da exploração da pobreza, do cenário e da religiosidade. As indignações também se referem ao lucro dessa produção, que renderia apenas aos artistas, deixando as regiões utilizadas na locação e os naturais da Índia a ver navios.

Aqui, não pretendo entrar no mérito dessa questão em especial, pretendo tentar entender o conceito de cultura, que é um tema bastante complexo, para então tentar explicar o que é apropriação cultural, que é mais complexo ainda. Antes de expor qualquer definição oficial de um e outro termo, preciso considerar que no meu inconsciente existiam dois tipos de cultura: A natural de um lugar ou povo, e a cultura comercial, fruto do intelecto de um ou mais indivíduos, que pode ou não ter sido desenvolvida com base na natural.

No primeiro caso, a cultura seria um bem comum, pertencente ao seu local de origem, mas livre para o consumo de qualquer interessado ou simpatizante. Ela diria respeito ao comportamento social daqueles inseridos em seu grupo, e seria passível de lucro através do turismo. No segundo caso, a cultura seria estritamente uma propriedade intelectual, pertencente a quem quer que a tenha criado ou patenteado, independentemente da influência da cultura natural, como acontece com a arte, a música, a literatura e os demais trabalhos autorais…

Segundo a sociologia e falando resumidamente, a explicação de cultura menciona que trata-se de um emaranhado de definições que dão significado à realidade que cerca uma pessoa ou um grupo de pessoas. Nesse emaranhado estão incluídas diversas questões, tais como: hábitos, regras sociais, crenças, línguas, tradições… Isso quer dizer que, independentemente do comportamento e do gosto de um indivíduo ser considerado bom ou ruim por você, sociologicamente ele é apenas diferente, e esse indivíduo possui cultura, apesar daqueles que vão contra suas expressões acreditarem que esta lhe falta, pois ter cultura é estar inserido num contexto social, e isso todos nós estamos.

Então surge a noção de apropriação, que é bastante rígida e não desacredita inteiramente o meu conceito pessoal de cultura, embora também não o reafirme. Em sua compreensão, apropriação cultural é a adoção ou representação de elementos específicos de uma cultura por um grupo não pertencente a ela. Normalmente envolve membros de uma comunidade dominante que exploram a cultura daquelas menos privilegiadas – muitas vezes com pouca compreensão de sua história, experiência e tradições. Essa reivindicação ocorre quando ícones desses grupos desprivilegiados são tirados de seu povo e transformados em mercadorias e fantasias, pois, uma vez removidos de seus contextos culturais, seus significados divergem do original.

A realidade da globalização e seu efeito de troca vem se chocando com esses conceitos. Uma vez que a dissolução das fronteiras ocorre, o intercâmbio cultural aumenta, e esse movimento, que intenta o progresso em conjunto das diferentes nações, acaba facilitando a desvalorização dos costumes regionais. Assim manifesta-se a dinâmica de poder entre culturas e as constatações de comportamento etnocêntrico¹ e xenofóbico² para com aquelas mais diferentes. O reconhecimento dos hábitos de povos social e economicamente distantes cria um processo de troca unilateral no qual as culturas marginalizadas podem sofrer discriminações étnicas por seus costumes, e, ao mesmo tempo, as culturas privilegiadas podem mercantilizar seus signos e linguagem para criar moda, gerar entretenimento e até para ridicularização dos mesmos.

Antes de buscar o significado dessas ideias a crítica ao clipe me pareceu absurda, mas compreendi sua necessidade e reconheço sua legitimidade, ainda que não concorde inteiramente com o que configura erro nesses casos. Portanto, não condeno os cantores, primeiro por não ser esse o meu papel, segundo, por não serem os primeiros (nem os últimos) a realizarem algo desse tipo, seja com a Índia ou com a cultura de qualquer outro lugar. Acredito que se é para começar a responsabilizar as expressões artísticas pelos padrões repetidos e o reforço de estereótipos, o próprio país deveria, para começo de conversa, desenvolver leis de regulamentação e comercialização de seus símbolos.

Os brasileiros também não reagem bem quando um estrangeiro se espanta ao descobrir que não vivemos no meio dos macacos na Amazônia. Sim, muitos ainda tem essa imagem do Brasil. Assim, percebo a importância de compreender esses conceitos para saber discernir quando ocorrem, e entendo por que incomodam. É preciso aprender a lidar com culturas não dominantes e respeitá-las. Qualquer reivindicação sobre o uso indevido de seus elementos devem ser levados em consideração. É como dar voz a uma minoria, e o que seria mais tolerante, includente e respeitoso do que ouvir o que ela tem a dizer sobre a representação de seus costumes?

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¹ Etnocêntrico: de etnocentrismo. Visão de mundo característica de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade socialmente mais importante do que os demais.

² Xenofóbico: que demonstra medo, aversão ou profunda antipatia em relação aos estrangeiros. Desconfiança em relação a pessoas estranhas ao meio daquele que as julga ou que vêm de fora do seu país. A xenofobia pode ter como alvo não apenas pessoas de outros países, mas de outras culturas, subculturas, sistemas de crenças ou características físicas. O medo do desconhecido pode ser mascarado no indivíduo como aversão ou ódio, gerando preconceitos, ainda que nem todo preconceito seja necessariamente causado por xenofobia.

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O Tabu do Arrependimento

O Tabu do Arrependimento

Esses dias me peguei linkando a relação entre a música Hello da Adele, o comportamento social nessa época do ano e as consequências de suas manifestações. Está chegando a temporada dos corações partidos, que popularmente atende pela alcunha de Carnaval. Logo fiz a analogia entre o evento e a canção. A letra é fácil de decorar e toca num ponto chave e clichê, que beira ser considerado um tabu, mas com o qual é fácil se relacionar desde que se tenha vivido qualquer tipo de relacionamento.

Pensei na quantidade de pessoas que vem sendo orquestradamente descartadas na última semana por seus amorzinhos, que tem em vista curtir a festa sem amarras. Amorzinhos que, de sua forma deturpada, acreditam que isso os isenta do peso na consciência diante da grande possibilidade de traição. Seguindo essa linha, também pensei em quantas dessas pessoas descartadas, que provavelmente amargarão o feriado inteiro na fossa, serão procuradas novamente na quarta feira de cinzas para retomar o relacionamento.

Por questões culturais, a tendência observada em qualquer círculo social aponta que suas dores são inconvenientes. Se você sacaneou ou foi sacaneado, não importa a distinção entre o sujeito que sofre e o que faz sofrer, não é bem visto que você exponha suas mágoas, e essa visão opressora é potencializada quando falamos de arrependimento. Se você sente qualquer um dos dois, fale com um amigo próximo – mas também não encha o saco dele, tome uma cerveja, ou 20, procure um médico, engula um remédio, coloque o seu bloco na rua, mas não deixe que ninguém veja o que há por baixo da sua pele.

Diversos cantores expuseram anteriormente essa idiossincrasia na qual sentir dor e deixar que os outros saibam é condenável, mas a questão do arrependimento foi poucas vezes abordada de forma tão intrínseca. Adele entrou no cenário com as palavras certas. A mensagem de sua canção a posiciona como a carrasca em busca do perdão. Ela fala, sem entrelinhas, do sentimento mais difícil de reconhecer em si próprio, e joga essa carta aberta para admitir contrição sobre o que fez a outrem. Ainda que sua música não esteja inserida num contexto carnavalesco, o tema abordado se relaciona diretamente ao ato de descarte vastamente difundido nessa época do ano, mas que acontece diariamente com toda sorte de pessoas.

Você tem pelo menos um amigo que está sofrendo nesse momento por outra pessoa. Garanto que pode pensar em vários quando questionado sobre “quem sofreu por atitudes alheias”, mas duvido que seja capaz de lembrar de alguém específico se tiver que apontar “quem demonstrou sentir culpa por causar sofrimento”. Se a dor comum a todos é pouco comentada, o arrependimento é dado por morto. Talvez, pensando em si mesmo, você reconheça que já causou alguns pesares, mas essa culpa pessoal dificilmente será admitida, menos ainda compartilhada.

Nesse devaneio imaginei o quão maravilhoso seria se a Adele tivesse partido todos esses corações, e o meu inclusive, em diversas ocasiões… Nenhuma música e nenhum pedido de desculpas conseguem apagar meses, e dependendo da personalidade de cada um, até anos de decepção e tristeza pela falta de respeito, pelo abandono e o que mais tenha causado do fim da relação. Ainda assim, não seria ótimo ver o carrasco assumir responsabilidade por seus atos, tendo ou não se arrependido, mas sendo minimamente íntegro ao admitir que falhou com quem dizia estimar?

Com a repressão do arrependimento, a importância das desculpas foram se perdendo. Talvez esse tabu tenha nascido do orgulho, ou da necessidade de reforçar socialmente a ideia de que você “está ocupado demais sendo feliz para ter tempo de sentir remorso”. Sem essa estupidez quase coletiva haveria mais compensação de danos, e a libertação pessoal trazida pela capacidade de se reparar com alguém seria vastamente exercida. A criação de laços saudáveis e o desenvolvimento de personalidades que, desprovidas de tantas culpas, teriam mais espaço para a paz interior seria comum a todos.

Não foi a Adele quem partiu o meu, o seu, e todos os demais corações, mas foi ela quem trouxe algum senso de culpa não admitida. Foi ela quem deu voz as desculpas que nunca foram pedidas, e que, inconscientemente, esperamos de quem nos falhou. Sua música estará para sempre na história para lembrar (a quem precise ouvir um pedido de perdão) que em algum momento alguém se responsabilizou por seus erros. Tentou se reparar pelo irreparável, mas principalmente, que tentou. E isso talvez possa trazer um pouco de conforto para aqueles que sofrem com a falta de consideração alheia.

Então minha dica para você que está nessa espera, talvez alimentando esperança de algo que pode nunca vir, é: escute Hello. Veja o clipe, coloque em loop infinito, cante aos berros, exorcize esse nó na garganta, chore, mas siga em frente, e caso esteja no time de descarte pré festa, curta o carnaval. Não deixe que os atos de alguém que foi capaz de te tratar com tanta indiferença te impeça, por um segundo sequer, de sentir alegria e aproveitar a vida.

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