Reflesexta I: Atenção Virtual do Amigo Real.

Como adoramos inventar palavras, aí vem mais uma para o nosso dicionário particular: Reflesexta trarão pequenas (ou nem tanto) reflexões sobre a vida. Serão as nossas historinhas de fim de semana, sempre publicadas às sextas, para você matutar um pouquinho aí durante a folga… Então vamos ao primeiro tema da série:

***

Os conceitos de amizade, carinho e consideração hoje em dia são bem deturpados, não é?

Se você considera alguém seu amigo, e acredita que essa pessoa também te considera um amigo; Se você apoia os projetos, curte, compartilha, mostra para outras pessoas, e depois descobre que seu ~amigo~ não tira 5 segundos para fazer o mesmo por você, ou sequer para te seguir de volta numa rede social ou comentar as publicações dos seus projetos pessoais, a amizade, o carinho e a consideração que você sente por ele acabam sendo afetados negativamente.

Por mais que pareça estúpido, rola uma mágoa genuína. As redes sociais definitivamente vieram para mudar a forma com que interagimos, agimos e reagimos às coisas. Isso tem seu lado negativo, e tem também o seu lado positivo. E nesse caso específico, talvez até um unfollow rancoroso ocorra, tipo: “se você não me segue/apoia, não serei eu que vou ficar aqui dando ibope para o que você faz.” Fizemos tanta piada com o papel de trouxa que esquecemos que ele realmente existe e muitas vezes nós nem percebemos que estamos fazendo.

E quando você vê que além de não haver reciprocidade no apoio, esse ~amigo~ apoia/da ibope para artistas que estão longe de sua realidade, famosos que já estão consagrados e não precisam daquele like ou daquele compartilhamento que ele da com tanto bom gosto, a situação fica ainda mais chata. Claro que ele não deve deixar de seguir e apoiar quem ele gosta, mas custa tanto assim fazer o mesmo por você?

Pior que isso é descobrir que seu bff está curtindo projetos de pessoas que ele sabe, foram sacanas com você, mas não está nem aí para o seu. O sentimento que desperta não se restringe mais ao online, e isso afeta de verdade a sua relação com a pessoa. Sim sim, parece idiota, mas o apoio ou a falta dele deixam claro o desinteresse do outro, e tomar consciência do desinteresse de alguém que você estima, e alguém que diz se preocupar e te amar, mesmo que seja aparentemente apenas um desligamento virtual, pode ser fatal até para as amizades mais antigas.

E por que, se parece ser um motivo bobo para deixar afetar seu relacionamento, isso ainda importa? Porque a reflexão dessa falta de apoio toca no que é real dentro de você e em tudo que vocês compartilham como amigos.

O conselho da sexta feira é: preste sempre atenção nos seus amigos-de-fé-irmãos-camarada, eles podem ter abandonado esse posto na sua vida, enquanto você continua perpetuando rituais de parceria unilaterais. E para vocês que são amigos de alguém, deem atenção ao que eles produzem. Com certeza o seu carinho vai render mais frutos quando direcionado ao seu amigo, do que àquela banda ou àquela pessoa distante, que nem faz parte da sua vida, mas para qual você dedicou 5 ou mais segundos de atenção, enquanto negligenciava quem tem te apoiado.

Bom fim de semana, Leigores ☕️

Orgulho Gay

Orgulho Gay

Estava revendo um seriado com temática LGBT que adoro, Queer As Folk, produzido pelo canal Showtime entre 2000 e 2005. No programa, uma personagem em particular sempre chamou minha atenção. Debbie Novotny é uma orgulhosa mãe PFlag¹ de um dos cinco protagonistas. Quando era adolescente e assisti isso pela primeira vez, a Debbie era apenas uma pessoa incrível. Alguém cujo comportamento serviria como espelho caso algum dia eu venha a ter um filho(a) que não se identifique com o que a sociedade (em sua maioria) espera que ele(a) seja em termos de identidade de gênero e orientação sexual.

Agora, 8 ou 9 anos desde que assisti esse programa pela primeira vez, muita coisa foi conquistada pela comunidade LGBT. Há uma crescente luta contra o preconceito, a criminalização de atos homofóbicos, a legalização da união entre pessoas do mesmo sexo em diversos países… Muito foi feito, mas muito mais ainda precisa ser. E apesar das vitórias, em nenhum momento a legitimidade dessa luta deixou de ser real e necessária na minha consciência e no meu coração.

Na série, alguns personagens passam pelo conflito da descoberta e revelação da própria sexualidade e sofrem com a reação de familiares a sua realidade. E em algumas dessas relações há um grande esforço por parte do familiar para dizer: “ei, eu te amo assim mesmo.” Me peguei pensando no motivo da afirmação desse sentimento ser um esforço para algumas mães, enquanto para a Debbie é muito simples amar e apoiar o filho dela. Por que é necessária uma luta interna para aceitar a sexualidade do outro, para só então conseguir demonstrar aceitação?

Essa é uma questão que nunca vou entender, pois esse sentimento vem para mim de uma forma muito natural. Sou grata por ter tido uma educação livre de preconceitos e um bom senso desde muito nova a respeito das diferenças que existem no mundo, e no quanto essas diferenças não me incomodam nem um pouco. O que sempre me soou relevante é o bom caráter, a escolha das ações que executamos em relação ao outro, a noção de certo e errado de cada um. Entretanto, pensando no comportamento das mães do programa, fui aplacada pelo pensamento: Por que, em caso de aceitação, é necessário reforçar o orgulho?

Existe a resposta óbvia: são tantos conflitos internos antes da decisão de assumir a própria sexualidade que não faz mal nenhum receber demonstrações de apoio e ouvir o quanto você é amado, mas me ocorreu uma outra justificativa para esse orgulho. Mesmo não tendo filhos, acho que consegui compreender a causa. Dizer que mães tendem a ter orgulho do próprio filho é como dizer que o céu tende a parecer azul aos nossos olhos na maior parte dos dias. Então não levo em consideração esse sentimento comum a quase todas, e trago a dúvida e a resposta unicamente para a realidade das mães PFlag.

O orgulho não é de ter um filho, ou do seu filho ser gay. O que talvez ninguém tenha tido coragem de dizer é que não há nada de especial em ser gay. Dizer isso não torna a condição nem boa, nem ruim. Eu jamais diria que ser gay é errado. O que quis dizer é que é normal. Não há nada de extraordinário em ser gay, como não há nada de extraordinário em ser hétero ou qualquer outra coisa. Especial é ter um QI acima da média, é ter bons modos num mundo em que os valores estão distorcidos, extraordinário é conseguir dar um nó no cabo da cereja com a língua.

No fim das contas a questão acaba sendo mostrada de forma errada. Quando o orgulho passou a ser linkado a condição gay, ele foi deturpado. Sem generalizar, fala-se muito de orgulho gay no automático, sem buscar aprofundamendo no significado da expressão e no sentimento ao qual ele remete. Eu mesma não estou buscando tanta profundidade assim, estou apenas externando brevemente um insight que tive ao ver uma série. Qualquer aprofundamento nessa questão exigiria muito mais do que um texto informal de pouco menos de 900 palavras.

Esse esclarecimento do sentimento do orgulho surgiu para mim traduzido no fato de criar alguém forte e corajoso o suficiente para ir contra o que ditam certo. Alguém leal aos próprios sentimentos ao ponto de se dispor a enfrentar um mundo de rejeições para continuar sendo quem é. O orgulho é por ter um filho que tem peito pra dizer “eu não me encaixo nesse padrão e não vou tentar, pois não sou obrigado.” Ser gay não faz ninguém melhor ou pior, mas ter coragem para ser gay num mundo em que isso é condenado por grande parte da sociedade, isso sim é motivo de um extraordinário orgulho.

Todo o meu amor aos amigos e desconhecidos, gays e simpatizantes,
que não se desistem da luta e não deixam o preconceito vencer 

______________________________________________________

¹ PFlag é uma organização sem fins lucrativos para parentes, amigos e outros simpatizantes de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT).

segundasdeprimeira post1