A Teoria da Negação

A Teoria da Negação

Levei alguns anos pra aprender determinadas coisas. Matemática, por exemplo, não aprendi até hoje. Certa vez, no colégio, uma professora veio dizer que eu chegava a resposta correta por um caminho muito complicado, quase inverso, e que não envolvia em nada a fórmula que eu deveria usar. Sinceramente, nem eu sei como conseguia chegar ao resultado dessas questões, e apesar do acerto, ela era obrigada a me dar zero por não usar a fórmula pedida. Não me venha com Bhaskara, sou de humanas. Prefiro teorias à fórmulas… Ainda assim, algumas teorias dão bastante trabalho, e a que mais me trouxe dor de cabeça nos últimos anos foi a da negação.

Como natural dos signos de terra, embora não leve essa coisa de astrologia tão a sério assim, bati muito a cabeça antes de entender que nem sempre aquele NÃO que a vida te enfia goela abaixo e contra o qual você se debate não se trata de uma negação de felicidade. Às vezes aquele não é um alerta de furada iminente, ou serve para pontuar que você não está pronto para lidar com as consequências de determinada escolha. Essa negação vem quando nem você mesmo tem ideia de que aquilo que te enche os olhos agora pode te prejudicar daqui a pouco. Da mesma forma que você não tem noção que aquele pedacinho a mais de chocolate (ao qual você não conseguiu resistir) pode ser a soma que vai extrapolar os limites do tolerável e te deixar três dias de piriri.

Acontece que entender a teoria da negação não é tão simples quanto parece. Para isso, você precisa assimilar um pouco a lógica da vida, a razão por trás de cada não e aprender a resistir a revolta por não ter sua vontade atendida. São os tipos de coisa que todos temos conhecimento empírico, que dizemos aos amigos quando estão em momentos de crise, mas falhamos ao aplicar a nossa própria realidade quando somos nós a vivenciar uma dúvida ou caos. Isso não tem nada a ver com enfrentar as adversidades, nem com esperar sentado até que a vida, birrenta, resolva te entregar aquilo que você deseja. Se alguém não está pronto para lidar com algo hoje, não estará pronto para lidar amanhã, a menos que lute para isso, e, ainda assim, não irá aprender como agir certo do dia para a noite.

Sobre as coisas que podem fazer mal e aquelas para as quais não estamos preparados, nos casos de insistência após a negação são aplicadas aquelas fórmulas matemáticas que eu não entendo como um tipo de reação cármica pela teimosia, e as possibilidades negativas vão sendo multiplicadas. O que era ruim fica pior, e o nó que você não conseguia desatar vira um novelo imenso que te persegue ladeira abaixo. Quando essas situações saem de controle criam tantas variáveis que uma hora você não sabe mais de onde estão vindo tantos números novos, e o resultado dessa equação infernal pode te fazer sentir dores em lugares que você nem sabia que existiam no seu corpo.

É a nossa incapacidade em apreender essa lógica e exercer conformidade com a ação do tempo que justificam a existência dessa teoria para algumas privações impostas pela vida. E é por causa da necessidade desse controle feito por uma força maior (chame-a do que quiser) que muitas questões significativas para o nosso crescimento pessoal estão além do nosso poder decisão. Liberdade, nesse caso, não é sinônimo permissão. Logo lembro daquela frase que minha mãe sempre dizia: “querer não é poder”, e complemento a isso que: querer ou poder também não é o mesmo que merecer, e merecer pode significar algo bom, algo ruim ou algo pior ainda.

De qualquer forma, o não espiritual daquilo que se almeja nem sempre significa punição. Não quer dizer que você não é merecedor daquilo que considera felicidade, quer dizer que às vezes aquilo que você acha que te traria felicidade não passa de uma ilusão, algo com o qual não vale a pena perder tempo, ou com o qual você não está preparado para lidar nesse momento… Está sendo dada a você a chance de se privar de consequências piores do que uma decepção efêmera. A chance de refletir sobre suas escolhas, sobre suas ações, e sobre sua própria capacidade de conviver com elas.

Você precisa aprender a aceitar as perdas que vai sofrer pelo caminho antes de conseguir o que quer, sem se deixar desvirtuar pela revelia, para que no fim das contas você mereça, receba e saiba lidar com aquilo pelo que tanto lutou.

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Cultura e Apropriação Cultural

Cultura e Apropriação Cultural

Lançado em 29 de janeiro, o novo clipe do Coldplay, Hymn for the Weekend, que conta com a parceria (miníma) de Beyoncé vem sendo altamente criticado e acusado de apropriação cultural. Entre as notícias, repetidas quase que identicamente em mil e um portais, está a questão do reforço dos esterótipos, da exploração da pobreza, do cenário e da religiosidade. As indignações também se referem ao lucro dessa produção, que renderia apenas aos artistas, deixando as regiões utilizadas na locação e os naturais da Índia a ver navios.

Aqui, não pretendo entrar no mérito dessa questão em especial, pretendo tentar entender o conceito de cultura, que é um tema bastante complexo, para então tentar explicar o que é apropriação cultural, que é mais complexo ainda. Antes de expor qualquer definição oficial de um e outro termo, preciso considerar que no meu inconsciente existiam dois tipos de cultura: A natural de um lugar ou povo, e a cultura comercial, fruto do intelecto de um ou mais indivíduos, que pode ou não ter sido desenvolvida com base na natural.

No primeiro caso, a cultura seria um bem comum, pertencente ao seu local de origem, mas livre para o consumo de qualquer interessado ou simpatizante. Ela diria respeito ao comportamento social daqueles inseridos em seu grupo, e seria passível de lucro através do turismo. No segundo caso, a cultura seria estritamente uma propriedade intelectual, pertencente a quem quer que a tenha criado ou patenteado, independentemente da influência da cultura natural, como acontece com a arte, a música, a literatura e os demais trabalhos autorais…

Segundo a sociologia e falando resumidamente, a explicação de cultura menciona que trata-se de um emaranhado de definições que dão significado à realidade que cerca uma pessoa ou um grupo de pessoas. Nesse emaranhado estão incluídas diversas questões, tais como: hábitos, regras sociais, crenças, línguas, tradições… Isso quer dizer que, independentemente do comportamento e do gosto de um indivíduo ser considerado bom ou ruim por você, sociologicamente ele é apenas diferente, e esse indivíduo possui cultura, apesar daqueles que vão contra suas expressões acreditarem que esta lhe falta, pois ter cultura é estar inserido num contexto social, e isso todos nós estamos.

Então surge a noção de apropriação, que é bastante rígida e não desacredita inteiramente o meu conceito pessoal de cultura, embora também não o reafirme. Em sua compreensão, apropriação cultural é a adoção ou representação de elementos específicos de uma cultura por um grupo não pertencente a ela. Normalmente envolve membros de uma comunidade dominante que exploram a cultura daquelas menos privilegiadas – muitas vezes com pouca compreensão de sua história, experiência e tradições. Essa reivindicação ocorre quando ícones desses grupos desprivilegiados são tirados de seu povo e transformados em mercadorias e fantasias, pois, uma vez removidos de seus contextos culturais, seus significados divergem do original.

A realidade da globalização e seu efeito de troca vem se chocando com esses conceitos. Uma vez que a dissolução das fronteiras ocorre, o intercâmbio cultural aumenta, e esse movimento, que intenta o progresso em conjunto das diferentes nações, acaba facilitando a desvalorização dos costumes regionais. Assim manifesta-se a dinâmica de poder entre culturas e as constatações de comportamento etnocêntrico¹ e xenofóbico² para com aquelas mais diferentes. O reconhecimento dos hábitos de povos social e economicamente distantes cria um processo de troca unilateral no qual as culturas marginalizadas podem sofrer discriminações étnicas por seus costumes, e, ao mesmo tempo, as culturas privilegiadas podem mercantilizar seus signos e linguagem para criar moda, gerar entretenimento e até para ridicularização dos mesmos.

Antes de buscar o significado dessas ideias a crítica ao clipe me pareceu absurda, mas compreendi sua necessidade e reconheço sua legitimidade, ainda que não concorde inteiramente com o que configura erro nesses casos. Portanto, não condeno os cantores, primeiro por não ser esse o meu papel, segundo, por não serem os primeiros (nem os últimos) a realizarem algo desse tipo, seja com a Índia ou com a cultura de qualquer outro lugar. Acredito que se é para começar a responsabilizar as expressões artísticas pelos padrões repetidos e o reforço de estereótipos, o próprio país deveria, para começo de conversa, desenvolver leis de regulamentação e comercialização de seus símbolos.

Os brasileiros também não reagem bem quando um estrangeiro se espanta ao descobrir que não vivemos no meio dos macacos na Amazônia. Sim, muitos ainda tem essa imagem do Brasil. Assim, percebo a importância de compreender esses conceitos para saber discernir quando ocorrem, e entendo por que incomodam. É preciso aprender a lidar com culturas não dominantes e respeitá-las. Qualquer reivindicação sobre o uso indevido de seus elementos devem ser levados em consideração. É como dar voz a uma minoria, e o que seria mais tolerante, includente e respeitoso do que ouvir o que ela tem a dizer sobre a representação de seus costumes?

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¹ Etnocêntrico: de etnocentrismo. Visão de mundo característica de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade socialmente mais importante do que os demais.

² Xenofóbico: que demonstra medo, aversão ou profunda antipatia em relação aos estrangeiros. Desconfiança em relação a pessoas estranhas ao meio daquele que as julga ou que vêm de fora do seu país. A xenofobia pode ter como alvo não apenas pessoas de outros países, mas de outras culturas, subculturas, sistemas de crenças ou características físicas. O medo do desconhecido pode ser mascarado no indivíduo como aversão ou ódio, gerando preconceitos, ainda que nem todo preconceito seja necessariamente causado por xenofobia.

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A Virada

A Virada

Todo fim de ano é a mesma história; as festas chegam e o mundo se divide entre pessoas que ralam na cozinha para preparar a comida, e pessoas que aparecem, lindas e descansadas, só para comer. Pessoas realizadas, satisfeitas com o ano que está chegando ao fim, e pessoas infelizes que estão cronometrando o tempo que falta para que ele finalmente acabe. Os que perderam o emprego, o namorado, o marido, entes queridos versus os que foram promovidos, começaram um relacionamento e agregaram pessoas amadas. A verdade é que independentemente do ano ter sido bom ou ruim para você, independentemente da esperança de que o próximo seja (ainda mais) próspero, o que pode de fato acontecer é totalmente imprevisível, e isso assusta muito.

No fim das contas não existe fórmula para a felicidade, nem meios de garantir que ela se faça mais presente do que a tristeza. Por mais que você tente não contrariar as previsões do seu signo para não irritar as forças cósmicas, isso não funciona de verdade. O que você pode (e deve) fazer é tentar tirar o melhor do pior. Isso não pode ser exercitado em absolutamente todas as situações, mas pode ser aplicado na maior parte delas. Talvez você esteja pensando: “é muito fácil de dizer e não tanto de conseguir”, mas deixe eu te dizer, não é fácil, não. Eu nunca te diria para tentar alcançar algo simples, pois isso você provavelmente já sabe fazer.

Tire uns minutos do seu dia e pense em 2015. Comece pelos desejos feitos na virada do ano. Não vai ser complicado pensar em todas as experiências negativas que você vivenciou nesses 362 dias já riscados do calendário, mas talvez seja complicado encontrar algo de positivo nelas. Se for necessário faça uma lista, mas encontre alguma luz no meio de toda essa escuridão e agradeça por ela. Não em tom de ironia ou por ter tido qualquer prazer no sofrimento, mas por ter recebido a oportunidade de aprender algo com ele. E aprenda, qualquer que seja a lição… Não permita que esses infortúnios se repitam. Na maior parte das vezes eles só se repetem quando a gente não assimilou o ensinamento.

Talvez dessa forma se consiga inspirar um 2016 menos obscuro. Ou, pelo menos, com essa nova forma de encarar cada dia e cada circunstância sejamos capazes de exigir menos resultados excelentes da vida, quando temos o hábito de só exaltar o caráter pessimista das oportunidades que ela nos dá.

Feliz nova chance de ser feliz.

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