Gordofobia Rio 2016

Noite preguiçosa de sexta, assistindo a apresentação das atletas do arremesso de peso feminino na #ESPN… Todas gordas, mas e daí? Não é novidade nenhuma que pessoas sobrepeso e obesas são tão capazes de agilidade, força e coordenação motora quanto uma pessoa considerada magra ou de tamanho padrão. E então veio o comentário que eu não esperava:

“Apesar do tamanho das moças aí, essa é uma prova de velocidade.”

Ta aí uma frase que eu não pensei ouvir, ao vivo, em plena Olimpíadas. Prontamente comentei com amigos que também estavam assistindo à transmissão para constatar que eu não havia ouvido errado, e eu tinha escutado bem demais. Naturalmente não pude manter o planejamento do texto que seria publicado aqui hoje. Então vamos falar (de forma breve) sobre gordofobia e sua versão mais desprezível, a gordofobia disfarçada.

Por mais que não tenha sido usado nenhum termo pejorativo, a forma como a frase foi falada, com a entonação e o contexto em que está inserida, ela acaba por se tornar, sim, um insulto. Ela delimita uma clara linha de capacidade – ou da falta dela, a partir da forma física das pessoas, não apenas das atletas em questão, mas de todas as pessoas que compartilham aquela condição. Interessante que, ao assistir o rugby também vemos atletas gordos, mas não lembro de nada ter sido dito a respeito de sua forma física. Talvez eu tenha perdido algum jogo, ou talvez fosse outro comentarista.

Isso nos faz pensar no quanto esse tema ainda é ignorado e encarado como piada hoje em dia. Tem sempre alguém pra dizer que quem reclama de gordofobia, machismo e homofobia está se vitimizando, ~cagando regras~ ou ~problematizando~ (como virou moda rotular), sobre questões que não passam de brincadeiras, parte da cultura ou da religião, respectivamente. Para essas pessoas, bullying não existe, a gente leva tudo a ferro e fogo, não temos senso de humor… Bom, em certos assuntos não cabe mesmo nenhum senso de humor.

Certamente esse jornalista, se é que se trata de um, não será repreendido por seu “lapso”. Por explanar de forma tão ~inocente~ sua opinião, pura gordofobia disfarçada, sobre um assunto que atinge mais de 50% da população brasileira, mais de 2,1 bilhões de pessoas sobrepeso e obesas ao redor do mundo, e principalmente, as mulheres que estavam sendo expostas naquele campo, acenando para o público, após anos de treinamento para se tornarem boas o suficiente ao ponto defenderem seus países numa competição mundial.

É ultrajante que esse tipo de coisa aconteça, e mais ultrajante ainda que seja tolerada. Você não precisa gostar de gordos nem querer ser um, você precisa apenas não desrespeitá-los, não desmerecê-los, e não julgá-los por sua forma. Qualquer incapacidade de viver dessa forma acaba por dizer muito sobre o tamanho e o peso do seu caráter.

Cidadania: Um Exercício Diário

Como não sou uma pessoa mal educada, frequentemente esqueço que elas existem. Como humana e civilizada, eu aprendi desde muito nova  minha responsabilidade como pedestre. Respeitar o sinal, atravessar na faixa, olhar para os lados, enfim, o básico… O que não quer dizer que eu sempre respeite essas regras, mas que tenho consciência, quando as infrinjo, que se algo acontecer comigo, a culpa provavelmente será minha.

Frequentemente ocorrem acidentes entre pedestres, ciclistas, motoqueiros e carros de passeio, ônibus ou caminhões. Quando acontece algo desse tipo eu automaticamente acarreto a culpa ao maior “agressor”, que, nesse caso, é o veículo de grande porte. Só não condeno o motorista quando a apuração do caso prova que ele não teve culpa… O interessante é que quase sempre essas histórias somem da mídia antes de responderem quem atravessou o caminho de quem. E no noticiamento do fato recente, o motorista acaba ficando estigmatizado pela fatalidade.

Por esses dias, eu e minha mãe atravessávamos na faixa com o sinal aberto para os pedestres. Íamos do lado que havia ciclovia, para o lado da faixa dos ônibus. Eu cheguei a calçada primeiro e ela logo atrás de mim. O que eu não percebi (e não esperava) era um ciclista que vinha se espremendo, em movimento e alta velocidade, entre o meio fio e os carros parados no sinal. Não satisfeito em estar do lado oposto à ciclovia e em quase atropelar minha mãe, ele ainda berrou no ouvido dela ao passar para que ela saísse do caminho.

Ela acabou respondendo e ele não gostou do fato dela ter reagido a seu atrevimento. Então, deu meia volta com a bicicleta e resolveu comprar briga… A rua toda parou para olhar, mas naturalmente ninguém fez nada, afinal, estamos no Brasil. Talvez, mais dia, menos dia, esse indivíduo acabe atropelado por aí, possivelmente por culpa dele mesmo, e é provável que essa se torne mais uma situação em que o motorista acaba, aos olhos do público, como o culpado.

Como jornalista, sou compelida a buscar a verdade, os dois lados da história, antes de ir acender uma vela no local do ocorrido pela alma do pobre vitimado. Mas como humana, sou automaticamente levada a acreditar que o galho quebrado é o que foi prejudicado, e nem sempre é esse o caso. Estou falando sobre mim, mas sei que muitos por aí acabam fazendo o mesmo.

Precisamos perder esse hábito e nos reeducarmos não só como pedestres, ciclistas e motoristas, mas principalmente, como cidadãos. Precisamos entender a nossa responsabilidade diante de todas as situações, do mundo, das nossas vidas e da vida daqueles que nos cercam. Só assim poderemos começar a construir uma nação. Por enquanto, somos só um bando de gente existindo no mesmo pedaço de chão…

O Esnobismo do Brasileiro

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Em meio a maior crise econômica pela qual o país já passou, todos se preparam para as Olimpíadas, exceto os brasileiros sensatos. Eu particularmente prefiro o termo OlimPiadas… Além da vergonha internacional em larga escala a qual o Brasil foi submetido pelos escândalos políticos, viramos alvo de diversas sátiras e críticas que considero bem merecidas. Mas, para justificar minha ojeriza ao evento, vou ilustrar o circo lembrando do que ocorreu apenas na semana passada:

Temos obras inacabadas, superfaturadas e malfeitas, risco de ataque terrorista, sequestro relâmpago de atletas, despreparo das forças de segurança em todos os níveis, falta de recursos em hospitais para atender a qualquer demanda, prováveis catástrofes com desabamentos, mortos e feridos pelas obras que citei acima ou qualquer outra desgraça que possa ocorrer, Vila Olímpica aos cacos, Bahia de Guanabara mais radioativa que o lixão da Dona Lucinda… Já chega, não é?

Não, não é. Antes fossem só esses os problemas do país. Nosso currículo está realmente podre! Nunca as taxas de desemprego foram tão altas. Por todos os lados, cortes em empresas colocam funcionários com anos de carreira com agenda toda livre. Há também a troca de profissionais graduados por estagiários. Eles são mais baratos, e não se engane, aquele que for fisgado nessa pescaria terá que desempenhar as funções de quem antigamente era considerado tubarão. Quem aguentar o tranco com certeza vai aprender bastante, mas não é todo mundo que consegue encarar tanta responsabilidade de cara.

Enquanto isso, do outro lado do oceano, o tubarão se vê reduzido a plâncton em pleno vazamento de óleo. A quem está sem emprego resta muita incerteza sobre o futuro, além da atribulação de questões (i)morais completamente enlouquecedoras. Primeiro vem o choque: um dia você mal tem tempo para assistir um filme, no outro, pode embarcar numa maratona na Netflix, pois tempo é tudo o que você tem. Em princípio pode ser que soe como um bom descanso, necessário e merecido, mas em questão de horas isso se torna um dos maiores tormentos que um adulto poderia enfrentar.

Quando você experimenta a dura realidade de estar cadastrado em mais de 20 sites de vagas, enviando currículos para diversos cargos – inclusive inferiores a sua formação e experiência, e não recebe NENHUM feedback de NENHUMA empresa, a coisa realmente começa a te consumir fisicamente. Todo esse estresse age como veneno no corpo. Surgem coceiras aqui, pintas ali, o cabelo cai, a pele fica terrível, a insônia surge, a libido desaparece, e em algum momento você começa a desejar a morte. E entende que talvez precise de uma ajuda psiquiátrica, mas, cadê a grana para pagar o plano de saúde?

Eventualmente, você se vê diante da opção de se candidatar a vaga de caixa em loja de departamento, atendente de farmácia, garçom, e até pensa em prostituição… Mesmo que se consiga ultrapassar o esnobismo em prol da necessidade de sobrevivência, em certo grau e ainda que de forma camuflada, ele fala mais alto. Seus desejos internos pedem que não venha nenhuma resposta daquela vaga, já que não vieram de tantas outras. O caso aqui não é desprezar a dignidade do trabalho de atendente ou garçom, mas é ter que engolir que você estudou e trabalhou para não ter que servir ninguém, e agora talvez tenha que recorrer a essa opção para poder se sustentar.

Se imaginar naquele cargo se torna inevitável, a imagem dos tipos de pessoa que você terá que servilmente servir ficam nítidas: ex companheiros de trabalho e demais atividades, amigos, conhecidos, pessoas que te odeiam, pessoas que você odeia, pessoas que iam se regozijar de saber que você está fodido carregando uma bandeja para poder sobreviver, pois você virou vítima da crise. Com isso, os sentimentos de incompetência, impotência e injustiça se tornam abrasadores. Você não deveria estar passando por aquilo… E não é a toa que tanta gente cometa suicídio diante da falência.

Há quem passe por cima desse orgulho com praticidade, mas em geral, para a maior parte das pessoas é muito difícil aceitar se sujeitar a essa mudança radical. Isso me faz pensar num assunto que foi bastante debatido enquanto rolavam manifestações pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff. Uma família foi “fazer a sua parte” e protestar contra o governo, e levou consigo a babá que empurrava o carrinho de uma criança. A imagem foi registrada e viralizou na internet. Entre o burburinho causado nas redes sociais, uma questão foi levantada e permaneceu no meu inconsciente.

A tal família, muito condenada por sua atitude, publicou uma carta aberta apontando o quão digno era o trabalho daquela babá, que ela era um membro da família, estava recebendo todos os direitos previstos pela lei e que não havia vergonha nenhuma naquele trabalho. É verdade, mas, em sábia resposta alguém rebateu: “o dia que um abastado crescer querendo ser babá, faxineira ou garçom, nós voltamos a essa discussão.” Embora pareça extremamente esnobe colocar a situação dessa forma, em preto ou branco, sem considerar o cinza e as outras cores, estamos lidando com a verdade nua e crua.

E para alguém que ocupava um cargo de prestígio, de repente se ver colocando currículos para vagas financeiramente e em termos de formação, inferiores, é um tapa na cara. Você valoriza essas profissões, desde que não tenha que desempenha-las. Isso é sim um tipo de hipocrisia, e ela pode ditar se você vai sobreviver a crise ou afundar com ela. A divisão de classes foi e sempre será uma pedra no caminho da evolução social. E olha que eu não sou comunista, sou pró capitalismo, mas ele é cruel, é para poucos, e muitos que desfrutavam dele, hoje já não podem mais.

Para consertar o país seria necessário consertar seus cidadãos, ou pelo menos ensinar-lhes o real conceito de cidadania e igualdade, que não tem nada a ver com justiça, mas fariam diferença para o convívio em sociedade. Seria necessário derrubar as barreiras que criamos entre A, B, C e lembrar que existem pessoas abaixo da linha da pobreza que adorariam ter a opção de poder servir mesas para levar o sustento para casa. Seria preciso entender que enquanto a gente reclama que não pode mais ir ao cinema como antes, muitos não tem um teto, nem o que comer.

Vamos repensar nossos preconceitos, abandonemos o esnobismo…

Não é vergonha tê-los, mas é vergonhoso querer mantê-los.

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Reflesexta I: Atenção Virtual do Amigo Real.

Como adoramos inventar palavras, aí vem mais uma para o nosso dicionário particular: Reflesexta trarão pequenas (ou nem tanto) reflexões sobre a vida. Serão as nossas historinhas de fim de semana, sempre publicadas às sextas, para você matutar um pouquinho aí durante a folga… Então vamos ao primeiro tema da série:

***

Os conceitos de amizade, carinho e consideração hoje em dia são bem deturpados, não é?

Se você considera alguém seu amigo, e acredita que essa pessoa também te considera um amigo; Se você apoia os projetos, curte, compartilha, mostra para outras pessoas, e depois descobre que seu ~amigo~ não tira 5 segundos para fazer o mesmo por você, ou sequer para te seguir de volta numa rede social ou comentar as publicações dos seus projetos pessoais, a amizade, o carinho e a consideração que você sente por ele acabam sendo afetados negativamente.

Por mais que pareça estúpido, rola uma mágoa genuína. As redes sociais definitivamente vieram para mudar a forma com que interagimos, agimos e reagimos às coisas. Isso tem seu lado negativo, e tem também o seu lado positivo. E nesse caso específico, talvez até um unfollow rancoroso ocorra, tipo: “se você não me segue/apoia, não serei eu que vou ficar aqui dando ibope para o que você faz.” Fizemos tanta piada com o papel de trouxa que esquecemos que ele realmente existe e muitas vezes nós nem percebemos que estamos fazendo.

E quando você vê que além de não haver reciprocidade no apoio, esse ~amigo~ apoia/da ibope para artistas que estão longe de sua realidade, famosos que já estão consagrados e não precisam daquele like ou daquele compartilhamento que ele da com tanto bom gosto, a situação fica ainda mais chata. Claro que ele não deve deixar de seguir e apoiar quem ele gosta, mas custa tanto assim fazer o mesmo por você?

Pior que isso é descobrir que seu bff está curtindo projetos de pessoas que ele sabe, foram sacanas com você, mas não está nem aí para o seu. O sentimento que desperta não se restringe mais ao online, e isso afeta de verdade a sua relação com a pessoa. Sim sim, parece idiota, mas o apoio ou a falta dele deixam claro o desinteresse do outro, e tomar consciência do desinteresse de alguém que você estima, e alguém que diz se preocupar e te amar, mesmo que seja aparentemente apenas um desligamento virtual, pode ser fatal até para as amizades mais antigas.

E por que, se parece ser um motivo bobo para deixar afetar seu relacionamento, isso ainda importa? Porque a reflexão dessa falta de apoio toca no que é real dentro de você e em tudo que vocês compartilham como amigos.

O conselho da sexta feira é: preste sempre atenção nos seus amigos-de-fé-irmãos-camarada, eles podem ter abandonado esse posto na sua vida, enquanto você continua perpetuando rituais de parceria unilaterais. E para vocês que são amigos de alguém, deem atenção ao que eles produzem. Com certeza o seu carinho vai render mais frutos quando direcionado ao seu amigo, do que àquela banda ou àquela pessoa distante, que nem faz parte da sua vida, mas para qual você dedicou 5 ou mais segundos de atenção, enquanto negligenciava quem tem te apoiado.

Bom fim de semana, Leigores ☕️

A Carência da Moda Nacional

A Carência da Moda Nacional

Essa semana fui levada a refletir sobre a indústria de moda nacional, mas não de forma geral, o foco do pensamento foi voltado ao nicho Mignon e Plus Size com relação a variedade, preço e qualidade. Enquanto sua reação com o mundo da moda talvez possa ser expressada com satisfação pelas tendências que surgem, as que ressurgem, e surpresa pelas que sobrevivem por temporadas e mais temporadas sem perderem o apelo social, para mim, o buraco no que diz respeito a inclusão e representatividade é bem mais embaixo… É sério que já estamos em 2016 e tudo continua quase igual a 10, 15, 20 anos atrás para quem é pequeno ou magro demais, para quem é sobrepeso, para quem é alto, e para quem calça menos que 36 ou mais que 39? Brasil, queira melhorar…

De roupas à calçados, há uma carência sem precedentes no mundo fashion para pessoas que não se enquadram nos tamanhos considerados padrão. Para as mais magras e/ou baixinhas, conhecidas também como Mignon, ter que comprar roupas na seção infantil não é uma novidade, muitas só encontram opções ali. Para as mais gordinhas e/ou altas, não encontrar uma roupa que lhes sirva ou que não pareça ter sido feita com panos de chão melhorou um pouco nos últimos anos, mas ainda está longe de alcançar o resultado ideal. Mas especialmente, para quem calça menos que 36 e mais que 39 a vida pode se tornar consideravelmente mais amarga.

O interessante é que todos precisamos do algo para vestir e calçar. Cada situação social exige um decoro, não só no que diz respeito a comportamento, mas também a um tipo de código de vestimenta do que se adequaria a determinada ocasião. Além de enfrentar as dificuldades já citadas em encontrar algo que sirva, os poucos produtos que atendem a necessidade dessa parcela de pessoas excluídas das araras são extraordinariamente mais caros do que aqueles que se encontra de sobra no mercado. Quando não, o que reina é o acabamento porco e má qualidade dos materiais, resultando em mercadorias que podem ser consideradas descartáveis. Depois de usar poucas vezes, já não presta mais…

Usemos como exemplo uma mulher plus size… Além do sobrepeso, o que já dificulta bastante a satisfação do guarda roupas, a biologia de seu corpo resolveu que ela teria um pé tamanho 42… Em que loja de calçados ela pode encontrar sapatos que lhe sirvam? Numa busca rápida na internet encontrei 5 sites nacionais que comercializam sapatos com “numeração especial”, como são chamados. E essa é a opção desta mulher; Ter que escolher entre modelos limitados, comprar pela internet sem a certeza de que o sapato tem qualidade ou se irá calçar bem, lidar com a possibilidade de precisar trocar a mercadoria, lidar com as burocracias dos Correios (outro serviço porco do país) para essa troca, e claro, pagar uma fortuna por isso. Enquanto uma sapatilha de “numeração padrão” pode ser encontrada por R$50 em qualquer loja física perto da sua casa, uma com “numeração especial” começa a ser vendida à partir de R$90 na loja online mais barata.

Talvez você esteja pensando que são casos isolados, ou que não constituem uma quantidade significativa de pessoas a ponto de merecerem atenção da indústria, mas não é bem assim. Existe uma grande parcela da comunidade feminina cujo pé não parou de crescer quando chegou ao 39. Eu mesma, no meu limitado grupo de amigos conheço umas dez mulheres entre 18 e 60 anos que vem lidando com esse problema a vida inteira. O mesmo vale para quem calça menos de 36, as Plus Size e as Mignon, todas gostam de coisas bonitas a preços acessíveis e com qualidade, e nenhuma delas tem o privilégio de encontrar seu número de roupa ou sapato em qualquer loja de esquina.

O resultado da falta de opções no mercado mexe não apenas com o bolso, mas principalmente com o emocional. Com o desgosto constante de passar por uma vitrine, amar alguma coisa, e saber que ela não te serve, pois quem a desenhou e produziu não o fez para a massa, fez para um público com padrão limitado e que não corresponde nem de longe ao que constitui uma sociedade. Designers e estilistas, busquem sair um pouco do mundo no qual vocês escolheram viver e olhem para o mundo no qual todos vivem. Talvez esse relance os faça perceber a diversidade de gostos e tipos que vem sendo negligenciados por décadas.

É movida por um desejo profundo de fazer alguma diferença e estimular a melhora desse mercado que escrevi esse texto. A sociedade do consumo abraça também os grupos menos representados. As novas gerações vem com ainda mais diversidade pessoal, e com ainda mais desejo por coisas bonitas, novas, e as querem em quantidade. O consumismo massivo de bens e serviços disponíveis está sendo alimentado graças a toda essa tecnologia, a conexão constante com as marcas através das redes sociais, a variedade e a elevada produção dos mesmos. Para quem quer crescer nesse negócio, a prioridade deveria ser atrair novos públicos e saciá-los oferecendo aquilo que necessitam. Dar voz aos ignorados e atender a lei da Oferta e Procura desses nichos pode ser mais uma porta para o sucesso, e para isso, basta que ela seja aberta…

Ninguém faz melhor propaganda de uma marca ou produto do que aqueles que o consomem.

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Literatura e Cinema: Histórias Perturbadoras

Literatura e Cinema: Histórias Perturbadoras

Na nossa cultura, histórias de terror fazem sucesso. Seja no cinema, na literatura, televisão ou nos vídeo-games, há um grande apelo por entretenimento que se enquadre nesse segmento. De caráter puramente ficcional, com criaturas imaginárias e realidades alternativas, falando de pessoas comuns com problemas mentais sérios ou baseadas em fatos reais, as histórias de terror em suas vastas formas de manifestação tem público cativo e crescente. Então, paramos para pensar nos motivos para que esse tipo de narrativa faça tanto sucesso, e nossa resposta também pode ser um tanto quanto perturbadora…

Qualquer manifestação assustadora ou condenável remete a sentimentos muitos íntimos. Tais sentimentos muitas vezes sequer são pronunciados por seu grau de horror ou pelo tabu que os cercam. Histórias de terror normalmente causam desconforto, e nós (humanos) costumamos responder à imposição de tudo que nos agita, principalmente àquilo que nos agita de forma negativa; Coração disparado, tensão, medo, susto, enjoo, repulsa e raiva costumam ser as reações mais comuns a esse tipo de narrativa. E por que buscamos distração em algo que cutuca os piores sentimentos que poderíamos ter? Porque relatos dessa natureza costumam ser bem desenvolvidos, e aquilo que negamos, mas existe, também precisa ser saciado…

Não, não estamos dizendo que você é um maluco que quer matar adolescentes com uma serra elétrica na próxima sexta feira 13 (ou talvez queira, sei lá), mas em geral você, eu, e pessoas que não sofrem com doenças mentais graves precisam exercitar seus sentimentos, todos eles, inclusive aqueles ruins que tentamos não alimentar no dia a dia, e podem sair de controle quando provocados por qualquer ocasionalidade do mundo real. A temática do horror promove esse exercício com certa segurança, mexe com a adrenalina, nos faz presenciar situações com as quais provavelmente jamais teremos que lidar. Talvez ela transmita a ideia de que o mal (quase) sempre vence, mas o mundo em que vivemos não é um filme da Disney

Claro, muitas dessas histórias são puramente ficcionais, ou tocam em perversões pessoais que não afligem a maior parcela da sociedade, mas muitas refletem preocupações sociais reais; Sequestro, estupro, assassinato, psicopatia, a morte e o medo de morrer, etc. Com esse tipo de entretenimento acabamos atentando para esses temas, e aprendemos outras coisas também, tipo não andar pela floresta sozinho, não dar as costas para estranhos em ambientes desconhecidos, deitar no chão ao ouvir tiros, destruir o cérebro para matar os zumbis, e que separar o grupo para procurar uma saída ou solução significa que você provavelmente vai morrer, não faça isso…

Para completar essa ilustração do quanto histórias que causam incômodo agradam ao público, fizemos uma pequena lista com 6 livros perturbadores que ganharam destaque e versões cinematográficas:

  • Os 120 dias de Sodoma

Essa obra do Marquês de Sade trata de desejo, orgia e todo tipo de perversão e transgressão moral que possa existir. Não é a toa que o termo sadismo foi criado a partir do Sade desse infame Marquês. Em sua história, o sexo rapidamente se torna extremamente sádico. Humilhação, dor e morte eventualmente se perpetuam na narrativa. Basicamente todos os fetiches sexuais bizarros e degradantes são explorados em detalhes no livro. Ele foi escrito em 1785, e ganhou sua versão cinematográfica em 1975. Intitulado “Salò” e dirigido pelo italiano Pier Paolo Pasolini, o filme é amplamente considerado como um dos mais desagradáveis e perturbadores de todos os tempos.

  • A Estrada

Se tivesse que resumir o título de Cormac McCarthy em uma palavra seria definitivamente sombrio. Essa obra trata de um pai e seu filho pequeno tentando sobreviver após um evento cataclísmico deixar o mundo estéril e cinza. A dupla viaja através desse universo pós-apocalíptico com a esperança do pai de que tudo irá melhorar à medida que se aproximem do Sul dos Estados Unidos. Independentemente de suas esperanças, as plantas não crescem, o cenário não muda, a comida é escassa e há canibais por toda parte… A angústia e a sensação de ter sido repetidamente atingido no estômago duram por toda a leitura. Adaptado em 2009 para o cinema, o filme homônimo conta com a atuação de Viggo Mortensen no papel do pai e não ameniza os sentimentos gerados pelo livro, tendo um desenrolar proporcionalmente desagradável.

  • Ensaio Sobre a Cegueira

Esse livro, de José Saramago, trabalha um cenário verdadeiramente horrível: Um vírus facilmente transmissível causa a perda da visão em basicamente todos no mundo em um curto período de tempo, e embora trate-se de uma obra de ficção, isso não diminui o impacto causado em quem lê. A história segue um grupo de personagens que estão entre os primeiros diagnosticados e que são enviados para quarentena, e fala bastante sobre a rapidez com que a sociedade entra em colapso diante da propagação dessa doença. Muito já foi dito sobre o livro ser, na verdade, uma alegoria sobre cegueira espiritual, mas se o encararmos literalmente, ele é bem mais assustador. Adaptado para o cinema em 2008 e dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, o filme conta com um elenco de peso e expressa com fidelidade visceral o desespero silencioso de uma cegueira repentina.

  • Precisamos Falar Sobre Kevin

Escrito por Lionel Shriver, esse trabalho diz respeito a um massacre fictício numa escola contado através da perspectiva da mãe do causador do terror, Kevin. Na obra, a mãe escreve cartas para seu ex-marido tentando entender o monstro que colocou que no mundo. O livro fala em detalhes sobre o comportamento de Kevin, que exibia sinais de psicose desde jovem, até o momento em que provoca a morte de sete colegas, um funcionário da lanchonete, e um professor de álgebra. A mãe culpa parcialmente a si mesma, acredita que por nunca ter sido uma entusiasta da maternidade, ficou fadada a criar de um indivíduo profundamente perturbado. Essa história, obscura e muito bem escrita, chegou aos cinemas em 2011 e não economizou em crueldade e terror psicológico.

  • Psicopata Americano

Esse livro faz com que você realmente questione a sanidade do autor, Bret Easton Ellis. Muitas pessoas provavelmente estão familiarizadas com a versão cinematográfica de 2000 estrelada por Christian Bale, mas o filme empalidece em comparação ao livro quando se trata de níveis de insanidade depravada. A história nos apresenta a Patrick Bateman ao longo de alguns anos de sua vida, um abastado engravatado de Wall Street que por nenhum acaso também desempenha a função de Serial Killer. Tudo se desenvolve através de seus assassinatos, que se tornam gradativamente mais sádicos, levando a algumas cenas que podem nunca sair completamente da sua mente. Dá para garantir que você vá se sentir (no mínimo) um pouco sujo após ler esse livro.

  • Réquiem Para um Sonho

Campanhas antidrogas deveriam parar de utilizar comerciais tradicionais aos quais ninguém presta atenção e começar a utilizar esse livro de Hubert Selby Jr. como leitura obrigatória nas escolas. As pessoas ainda usariam drogas, mas creio que pensariam duas vezes após lê-lo. É possível que grande parte do público esteja mais familiarizado com o filme lançado em 2000, estrelado pelo também cantor Jared Leto (30 Seconds to Mars) e sequer tenha noção da existência do livro… O filme, que trata com bastante fidelidade a narrativa original, traz a história de quatro personagens… Todos vêem as suas vidas arruinadas por diversos vícios e no fim das contas o personagem principal acaba não sendo nenhum deles, mas o vício em si, o que torna a obra um passeio profundamente deprimente, especialmente pelo seu toque de triste realidade.

***

Certamente existem obras mais substanciais a nível de subversividade e loucura a disposição para quem queira ler, mas esses foram os exemplos de sucesso e amplo alcance que escolhemos para falar hoje. Entretanto, recomendamos que para a distração exista um controle do quão mal você deve se sentir… Nós gostamos de mistérios, assassinatos e histórias policiais, mas não incentivamos que você se atrofie apenas nesse tipo de segmento para se entreter. Explore os outros estilos, e nunca se force a assistir ou ler nada que ultrapasse seus limites e mexa demais com seu subconsciente. É importante saber respeitar a si mesmo… Mesmo porque, não há como curtir nada quando se está passando mal de verdade.

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Quem tem Tinder, tem medo.

Quem tem Tinder, tem medo.

Pergunte a qualquer um que tenha uma conta no aplicativo: é comum sentir receio ao criar um perfil com a sua foto, muitas vezes linkado ao Facebook, e não imaginar quem vai passar pela sua página nesse cardápio humano; Uma pessoa com a qual você cortou relações, um(a) ex qualquer coisa, amigos do(a) ex qualquer coisa, uma pessoa para a qual você se declarou morta, mas que você sabe que te stalkeia, e incontáveis outras desequilibradas e com caráter duvidoso. Dependendo também de como a sua mente funciona, fica impossível não começar a imaginar alguém que você detesta dando match em outro alguém que te fez muito mal, e prontamente visualizar a cena dessas duas pessoas terríveis sendo felizes juntas…

Poucas coisas no mundo são tão ruins quanto ver gente que não presta se refastelando na vida, e uma delas pode ser a experiência de tentar formar um vínculo com alguém 100% estranho estando atrás de um aparelho eletrônico. Sou muito liberal com algumas coisas, mas o Tinder traz a tona o conservadorismo que há em mim. Constatei que não gosto da dinâmica do serviço e do comportamento geral por lá. O aplicativo fornece seu nome e idade, local de trabalho e estudo, espaço para 6 ou 7 fotos e 500 caracteres caso você deseje colocar alguma descrição. São inúmeras as formas para julgar alguém num ambiente desses. Embora o que esteja exposto para primeiro impacto seja bastante restrito, tais informações acabam sendo marcantes pra alguém que, como eu, usa repelente a base de ceticismo quando tem que lidar com o desconhecido.

Depois de determinada idade, que varia de pessoa para pessoa, ficamos cheios de manias… Não da mais para aturar certas coisas, nem se misturar com todo tipo de gente. Passamos a utilizar filtros cuja exigência cresce de acordo com nosso amadurecimento, objetivos, decepções e gostos pessoais. Não é mais tão simples querer fazer parte da vida de alguém e deixar que esse alguém faça parte da sua também. Existem requisitos a serem preenchidos… A primeira impressão sempre vem pela foto de capa. Ali já da para saber se vale a pena ou não abrir o perfil para ver um pouco mais. Passo direto por gente na praia, cachoeira, no futebol, fazendo trilha, esportes radicais e naquelas muvucas sociais. Não tenho nada em comum com alguém que tem essas atividades como prazeres primários…

Passada essa fase da triagem, chegamos ao “sobre”, e aí o que pode parecer puro preconceito reflete, na verdade, um senso de autopreservação muito grande. Se tem WhatsApp publicado e/ou está pedindo seguidores no Snapchat/Instagram? Passo. Expressa apoio/uso de drogas, dependência alcoólica e/ou fanatismos? Passo. Erros de português, concordância, falta de coerência e frases obsoletas tipo: Foco, força e fé – Deus no comando sempre – Vem que no caminho eu te explico? Passo! Eu me conheço bem, não quero contato com quem que se expõe tanto, com alguém que da tanto valor aos likes e follows da vida online, com vícios que desaprovo, com déficits difíceis para um jornalista engolir, e alguém incapaz de se expressar com as próprias palavras em menos de 500 caracteres.

Se uma amizade assim eventualmente surgir será naturalmente, por contato direto, nunca por uma busca online, e o que faz diferença nesse caso é justamente a questão de se tratar de uma busca. É muito diferente entrar na vida de alguém por ação do destino e procurar fazer parte da vida de alguém através de um meio digital. Na internet, a avaliação se torna mais criteriosa pois ela grita que, se tudo der errado para você, a culpa é sua. Se foi algo que você mesmo procurou, e além de procurar, permitiu, você só tem a si mesmo para responsabilizar por qualquer cilada na qual venha a se meter. É provável que você justifique seu sofrimento com a transgressão alheia e sinta pena de si mesmo por ter sido sacaneado, mas não é nada fácil admitir que talvez você esteja passando por algo desagradável por ter sido permissivo e inconsequente.

Para evitar tudo isso eu antecipo possibilidades, não faço nada tomando por garantia a certeza. Meses atrás uma amiga me convenceu a abrir uma conta no Tinder. Ela contava regularmente histórias divertidas com pessoas legais que encontrou através do app. Lá pelo vigésimo sétimo relato de pessoa incrível, resolvi arriscar. Essa experiência serviu mais como autoavaliação crítica e estudo antropológico, do que realmente uma forma de conhecer gente interessante, embora eu tenha conhecido uma ou duas. Me vi diante de desafios morais ao utilizar o aplicativo, especialmente quando meu superpoder de Overthink¹ entrava em ação. Se eu começasse a conversar com alguém que diz que não se diverte sem bebida, meu superpoder era acionado… Ele me colocava num Flashforward² e me fazia visualizar um futuro que ainda era apenas uma possibilidade.

Nesse futuro imaginário nós éramos amigos, e essa pessoa que não se divertia sem bebida há muito já se tornara um alcoólatra. Ao voltar para o presente, instantaneamente surgiam as perguntas: Vale a pena? Vale a pena abrir minha vida para essa pessoa, que já se mostra bastante problemática, me importar com ela, para mais tarde ter que lidar com isso? Vale a pena arriscar perder uma amizade caso a pessoa não admita que precisa se tratar? Vale arriscar me tornar vítima de qualquer insanidade temporária causada pela mistura perigosa do meu amigo? E após pensar em muitas mais perguntas como essas, o meu interesse pela pessoa e em ter qualquer tipo de envolvimento com ela caíam por terra.

Todos temos bagagem. Todos temos qualidades, defeitos e vícios; Fantasmas e coisas mal resolvidas, mas algumas são mais graves e pesadas que outras, e tem coisas com as quais não vale a pena lidar. É horrível pensar em deixar alguém de lado por sua bagagem, mas quando você admite que existe uma possibilidade de futuro, por menor que seja, você precisa considerar que, como amigo ou como algo mais, os problemas dela (dependendo de quais forem) podem te afetar, e você já tem problemas suficientes com os quais lidar. Qualquer relacionamento exige troca, apoio… É praticamente impossível não se envolver nos dilemas de alguém por quem você tem grande estima, e eu costumo ter bastante pelos meus.

É natural do ser humano ter medo de não ser amado, medo de ficar sozinho. Acredito que ninguém que inicia a formação de um vínculo imagina o seu fim, sexo casual e contatos profissionais não se enquadrariam nesse contexto de vínculo. Acredito que ninguém idealiza uma amizade problemática, com prazo de validade… Ninguém quer amigos para curtir sexta feira a noite e com os quais não se pode contar para nada além disso, nem deseja se apegar a alguém e depois ver essa pessoa ir embora, por qualquer que seja o motivo… A ideia que as relações passam é que serão sólidas e eternas, mas conforme essa inocência é perdida, elas se mostram frágeis. Isso também é natural do ser humano, e já que as coisas acontecem assim, seja no Tinder, na vida real ou virtual, não custa nada ter prudência antes de deixar alguém entrar no seu mundo.

Não sei vocês, mas eu prefiro não ter que me despedir de ninguém.
E se quem tem Tinder não tem medo, acho que deveria começar a ter…

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¹ Overthink: ato de pensar demais.

² Flashforward: é a interrupção de uma sequência cronológica narrativa, uma forma de apresentar um momento futuro.

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Complexo de Mártir

Complexo de Mártir

Meus problemas são maiores que os seus…

Certamente você conhece alguém que reforça essa ideia. O hábito de querer quantificar quem sofre mais pelo número, natureza e gravidade dos problemas é uma clara demonstração de baixa autoestima e exagerado autocentrismo. Sim, essas duas características podem coexistir na mesma personalidade. A falta de confiança e a visão negativa que alguém faz de si próprio pode muito comumente levá-lo a desejar receber atenção por pena. É a manifestação da vontade ser visto como um herói por ter resistido à tantas pancadas da vida. É o desejo de receber méritos por sua bravura, ou simplesmente adquirir o título de “mais azarado da turma”, para ter a sensação do que é ser campeão em alguma coisa – ainda que não seja em algo positivo, quando sente que está cercado por pessoas com vidas infinitamente mais tranquilas e ricas em sorte que a sua.

Realmente, existem muitas pessoas em desvantagem quando comparadas a outras de seu círculo social, e é humano que elas tentem buscar vitória em alguma coisa, mesmo que essa coisa seja o número de fracassos. Obviamente ninguém se orgulha dos próprios insucessos, mas continuar a ser uma pessoa de bem depois de ter passado por tantas provações acaba te atribuindo um tipo de triunfo por suas virtudes. Faz você parecer muito mais bravo e resistente do que de fato é, embora possua sim alguma bravura e resistência… Tem gente que pensa que tudo que já sofreu na vida pode ao menos servir para fazer com que seja visto com olhos de admiração por aqueles que o conhecem, e muitas pessoas com esse complexo buscam o título de mais sofredoras que Maria do Bairro.

Se essa pessoa conseguisse perceber, e apenas perceber, a força e capacidade que possui por ter passado por tantas situações sem desviar da retidão, essa poderia ser contada como uma de suas qualidades. Porém, para quem é assim, essa percepção se manifesta em forma de inferioridade, diminuindo o valor da força e ressaltando justamente o lado ruim, que seria a extrema falta de sorte. Pessoas assim rapidamente tentam compensar esse autodesprezo inventando uma competição; Todo mundo tem um amigo que, ao ouvir o relato de uma adversidade parece tentar ser otimista e mostrar para você o quanto a situação não é tão ruim quanto você pensa, quando, na verdade, ele usa desse artifício para compartilhar o próprio infortúnio, comparando-o ao seu e tentando diminuir a importância daquilo que você está passando.

É natural que compartilhemos nossas tristezas com os mais próximos, mas precisamos nos manter atentos para não tornar isso um vício e não transformar todas as conversas em desabafos. De pequenos maus hábitos podem nascer más personalidades. Pode ser que no seu interior você sinta que sofreu mais que outros. Desde que você não se comporte como tal e não alimente a ideia, isso não o rotula como alguém com complexo de mártir. É preciso compreender que só você sabe o quanto já sofreu. Só você sentiu, pois seus sentimentos são apenas seus. A forma como você reage ao que lhe acontece só pode ser conhecida por você mesmo. Suas dores só são importantes para você, talvez (e no máximo) para sua mãe, pai, ou alguém que sofra de verdade ao te ver sofrer e ninguém além disso.

Ainda que nos sintamos compreendidos por outra pessoa, ou que ela tenha úteis e sábias palavras de conforto para nos transmitir, não significa que sejamos de fato compreendidos. A empatia é uma característica admirável – quando é genuína, mas ela não garante que alguém sinta a mesma dor que você está sentindo ou que sequer a compreenda realmente, mas no fim isso não importa. O que importa é o ombro amigo que se recebe num momento de necessidade. Então, não cabe a você comparar e quantificar seus problemas com o de outros de sua convivência, o que cabe é saber ser amigo também, é saber ouvir, é compartilhar se quiser, mas nunca, em hipótese alguma, se tornar o tipo de pessoa que age como se o que os outros passam não fosse tão grave ou relevante quanto o que você passa.

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A Teoria da Negação

A Teoria da Negação

Levei alguns anos pra aprender determinadas coisas. Matemática, por exemplo, não aprendi até hoje. Certa vez, no colégio, uma professora veio dizer que eu chegava a resposta correta por um caminho muito complicado, quase inverso, e que não envolvia em nada a fórmula que eu deveria usar. Sinceramente, nem eu sei como conseguia chegar ao resultado dessas questões, e apesar do acerto, ela era obrigada a me dar zero por não usar a fórmula pedida. Não me venha com Bhaskara, sou de humanas. Prefiro teorias à fórmulas… Ainda assim, algumas teorias dão bastante trabalho, e a que mais me trouxe dor de cabeça nos últimos anos foi a da negação.

Como natural dos signos de terra, embora não leve essa coisa de astrologia tão a sério assim, bati muito a cabeça antes de entender que nem sempre aquele NÃO que a vida te enfia goela abaixo e contra o qual você se debate não se trata de uma negação de felicidade. Às vezes aquele não é um alerta de furada iminente, ou serve para pontuar que você não está pronto para lidar com as consequências de determinada escolha. Essa negação vem quando nem você mesmo tem ideia de que aquilo que te enche os olhos agora pode te prejudicar daqui a pouco. Da mesma forma que você não tem noção que aquele pedacinho a mais de chocolate (ao qual você não conseguiu resistir) pode ser a soma que vai extrapolar os limites do tolerável e te deixar três dias de piriri.

Acontece que entender a teoria da negação não é tão simples quanto parece. Para isso, você precisa assimilar um pouco a lógica da vida, a razão por trás de cada não e aprender a resistir a revolta por não ter sua vontade atendida. São os tipos de coisa que todos temos conhecimento empírico, que dizemos aos amigos quando estão em momentos de crise, mas falhamos ao aplicar a nossa própria realidade quando somos nós a vivenciar uma dúvida ou caos. Isso não tem nada a ver com enfrentar as adversidades, nem com esperar sentado até que a vida, birrenta, resolva te entregar aquilo que você deseja. Se alguém não está pronto para lidar com algo hoje, não estará pronto para lidar amanhã, a menos que lute para isso, e, ainda assim, não irá aprender como agir certo do dia para a noite.

Sobre as coisas que podem fazer mal e aquelas para as quais não estamos preparados, nos casos de insistência após a negação são aplicadas aquelas fórmulas matemáticas que eu não entendo como um tipo de reação cármica pela teimosia, e as possibilidades negativas vão sendo multiplicadas. O que era ruim fica pior, e o nó que você não conseguia desatar vira um novelo imenso que te persegue ladeira abaixo. Quando essas situações saem de controle criam tantas variáveis que uma hora você não sabe mais de onde estão vindo tantos números novos, e o resultado dessa equação infernal pode te fazer sentir dores em lugares que você nem sabia que existiam no seu corpo.

É a nossa incapacidade em apreender essa lógica e exercer conformidade com a ação do tempo que justificam a existência dessa teoria para algumas privações impostas pela vida. E é por causa da necessidade desse controle feito por uma força maior (chame-a do que quiser) que muitas questões significativas para o nosso crescimento pessoal estão além do nosso poder decisão. Liberdade, nesse caso, não é sinônimo permissão. Logo lembro daquela frase que minha mãe sempre dizia: “querer não é poder”, e complemento a isso que: querer ou poder também não é o mesmo que merecer, e merecer pode significar algo bom, algo ruim ou algo pior ainda.

De qualquer forma, o não espiritual daquilo que se almeja nem sempre significa punição. Não quer dizer que você não é merecedor daquilo que considera felicidade, quer dizer que às vezes aquilo que você acha que te traria felicidade não passa de uma ilusão, algo com o qual não vale a pena perder tempo, ou com o qual você não está preparado para lidar nesse momento… Está sendo dada a você a chance de se privar de consequências piores do que uma decepção efêmera. A chance de refletir sobre suas escolhas, sobre suas ações, e sobre sua própria capacidade de conviver com elas.

Você precisa aprender a aceitar as perdas que vai sofrer pelo caminho antes de conseguir o que quer, sem se deixar desvirtuar pela revelia, para que no fim das contas você mereça, receba e saiba lidar com aquilo pelo que tanto lutou.

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