Reflesexta I: Atenção Virtual do Amigo Real.

Como adoramos inventar palavras, aí vem mais uma para o nosso dicionário particular: Reflesexta trarão pequenas (ou nem tanto) reflexões sobre a vida. Serão as nossas historinhas de fim de semana, sempre publicadas às sextas, para você matutar um pouquinho aí durante a folga… Então vamos ao primeiro tema da série:

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Os conceitos de amizade, carinho e consideração hoje em dia são bem deturpados, não é?

Se você considera alguém seu amigo, e acredita que essa pessoa também te considera um amigo; Se você apoia os projetos, curte, compartilha, mostra para outras pessoas, e depois descobre que seu ~amigo~ não tira 5 segundos para fazer o mesmo por você, ou sequer para te seguir de volta numa rede social ou comentar as publicações dos seus projetos pessoais, a amizade, o carinho e a consideração que você sente por ele acabam sendo afetados negativamente.

Por mais que pareça estúpido, rola uma mágoa genuína. As redes sociais definitivamente vieram para mudar a forma com que interagimos, agimos e reagimos às coisas. Isso tem seu lado negativo, e tem também o seu lado positivo. E nesse caso específico, talvez até um unfollow rancoroso ocorra, tipo: “se você não me segue/apoia, não serei eu que vou ficar aqui dando ibope para o que você faz.” Fizemos tanta piada com o papel de trouxa que esquecemos que ele realmente existe e muitas vezes nós nem percebemos que estamos fazendo.

E quando você vê que além de não haver reciprocidade no apoio, esse ~amigo~ apoia/da ibope para artistas que estão longe de sua realidade, famosos que já estão consagrados e não precisam daquele like ou daquele compartilhamento que ele da com tanto bom gosto, a situação fica ainda mais chata. Claro que ele não deve deixar de seguir e apoiar quem ele gosta, mas custa tanto assim fazer o mesmo por você?

Pior que isso é descobrir que seu bff está curtindo projetos de pessoas que ele sabe, foram sacanas com você, mas não está nem aí para o seu. O sentimento que desperta não se restringe mais ao online, e isso afeta de verdade a sua relação com a pessoa. Sim sim, parece idiota, mas o apoio ou a falta dele deixam claro o desinteresse do outro, e tomar consciência do desinteresse de alguém que você estima, e alguém que diz se preocupar e te amar, mesmo que seja aparentemente apenas um desligamento virtual, pode ser fatal até para as amizades mais antigas.

E por que, se parece ser um motivo bobo para deixar afetar seu relacionamento, isso ainda importa? Porque a reflexão dessa falta de apoio toca no que é real dentro de você e em tudo que vocês compartilham como amigos.

O conselho da sexta feira é: preste sempre atenção nos seus amigos-de-fé-irmãos-camarada, eles podem ter abandonado esse posto na sua vida, enquanto você continua perpetuando rituais de parceria unilaterais. E para vocês que são amigos de alguém, deem atenção ao que eles produzem. Com certeza o seu carinho vai render mais frutos quando direcionado ao seu amigo, do que àquela banda ou àquela pessoa distante, que nem faz parte da sua vida, mas para qual você dedicou 5 ou mais segundos de atenção, enquanto negligenciava quem tem te apoiado.

Bom fim de semana, Leigores ☕️

Negan e o futuro de The Walking Dead

Negan e o futuro de The Walking Dead

AVISO
CONTÉM SPOILERS SOBRE O UNIVERSO DE TWD
SE NÃO QUISER SABER, NÃO LEIA!

Produzida pelo canal americano AMC e exibida pela Fox Brasil, The Walking Dead se tornou um dos programas favoritos do público desde o lançamento, em 2010. Seus personagens cativantes e a inteligência dos autores em terminar (quase todos) os episódios e obrigatoriamente todas as temporadas com cliffhangers¹ chocantes são bons exemplos de como manter o sucesso e a audiência crescentes. Falta apenas um episódio para a conclusão da sexta temporada, o que para fãs significa uma morte péssima, literalmente… Para quem está familiarizado com a série, todo season finale² é relativamente igual; Alguns personagens importantes morrem, enquanto outros são capturados por grupos rivais e permanecem desaparecidos… Só voltam a ser mencionados na temporada seguinte, o que nos leva a meses de ansiedade sem saber se aquele queridinho vai passar apenas alguns episódios desfalcado do grupo ou morrer.

Em meio a tantas dúvidas apenas uma coisa é certa, o objetivo dos roteiristas é brincar com os nossos sentimentos. E para provar isso podemos fazer uso de um personagem de peso nos quadrinhos que finalmente começou a ser introduzido na versão televisionada. O nome Negan vem sendo citado por meses. Embora gradativamente sua imagem tenha deixado de ser tão abstrata, até o season finale ele não foi propriamente apresentado. As representações que cercam esse indivíduo deixam claras, desde o começo, o caráter desse antagonista, que demonstra ser pior do que o finado Governador. Interpretado pelo ator Jeffrey Dean Morgan (Supernatural), Negan surge como charmoso e encantador, ainda que bastante agressivo… Diferentemente do Governador, que comandava um pequeno complexo de cidadãos majoritariamente despreparados, Negan é o chefe dos Salvadores, um grupo de homens violentos cuja moeda de troca é a chantagem, coerção, e por fim o assassinato de todos que não acatam as suas exigências.

No contexto do que já foi exibido da série, Negan também é apresentado como um tipo de organização. Em dado momento, alguns membros do grupo dos Salvadores são confrontados sobre a identidade de seu chefe. Quando questionados, eles atribuem a si mesmos esse título com “Nós somos Negan”, o que remete a um comportamento de cultuação. Só isso já seria suficiente para revelar o poder de controle e persuasão do personagem. Tudo que seus seguidores fazem demonstra ser em proveito dele e do que ele construiu. Que forma melhor de convencer alguém a morrer e matar por você do que torná-lo parte crucial daquilo que você criou? Em meio ao caos de uma realidade pós-apocalíptica, e a julgar também pelo nome atribuído àqueles que trabalham em seu benefício (Salvadores), é de se supor que a imagem de Negan seja abordada de forma religiosa, como alguém a ser seguido, temido e adorado.

Apesar de toda a tensão que cerca esse novo núcleo de antagonistas, o que torna curioso o desenrolar da sétima temporada é justamente o carisma do bandido em questão. O Governador tinha seu charme, mas Negan parece ser bem mais competente que ele no que diz respeito à conquista e controle. Com um senso de humor peculiar e paixão por bombas, sua arma preferida é Lucille, um taco de baseball enrolado com arame farpado. Embora mate de cara um dos preferidos do público na HQ, o que causa um grande impacto no grupo, a incerteza de que esse acontecimento seja trazido para a série tem sido um dos causadores de maior ansiedade entre os fãs, principalmente pela possibilidade de que essa morte seja rearranjada para outro personagem. Sim, estamos falando sobre Daryl, que sequer existe na história original e pode se tornar o alvo, tendo em vista que é um dos pilares da turma do Rick e pela predileção popular por ele já ter causado incômodo nos roteiristas.

Com os quadrinhos ainda sendo escritos, e para somar mais de imprecisão ao caminho que a série irá tomar, na leitura Rick declara guerra a seus adversários, e conta com a ajuda de Jesus, da comunidade Hilltop e do ainda não apresentado Rei Ezekiel, de uma comunidade chamada O Reino, o que novamente sugere o caráter religioso que vem tomando forma no programa. No arco do comic book lançado mais recentemente, Negan ainda é um personagem ativo e muito presente na vida de Rick. Ele tem um laço único com Carl… Não sabemos se esse relacionamento será explorado nem a maneira como isso vai se dar, mas sabemos que Negan é um tirano que veio para mudar o rumo de toda a história. Para completar, a mensagem que Morgan prega que toda vida é preciosa, vai afetar o inconsciente de Rick como vem sendo mostrado que afetou o de Carol, e as perdas que essa ideologia irá trazer para o grupo, só esperando para saber…

Creio que o desenrolar da próxima temporada seja vital para definir a renovação ou o cancelamento da versão televisionada dessa obra. Embora o alcance de The Walking Dead seja grande, a morte de determinados personagens tem pleno poder de provocar o desinteresse do público. Robert Kirkman que pense bem no que ele vai fazer…

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¹ Cliffhanger: É um recurso de roteiro utilizado em ficção, que se caracteriza pela exposição do personagem (ou personagens) a uma situação limite, precária, tal como um dilema, suspense, confronto, ou uma revelação surpreendente.

² Season Finale: Significa “final de temporada” e se refere ao último episódio de uma temporada quando ainda há outra posterior. Caso seja o episódio final do programa como um todo, o termo correto seria Series Finale.

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Quem tem Tinder, tem medo.

Quem tem Tinder, tem medo.

Pergunte a qualquer um que tenha uma conta no aplicativo: é comum sentir receio ao criar um perfil com a sua foto, muitas vezes linkado ao Facebook, e não imaginar quem vai passar pela sua página nesse cardápio humano; Uma pessoa com a qual você cortou relações, um(a) ex qualquer coisa, amigos do(a) ex qualquer coisa, uma pessoa para a qual você se declarou morta, mas que você sabe que te stalkeia, e incontáveis outras desequilibradas e com caráter duvidoso. Dependendo também de como a sua mente funciona, fica impossível não começar a imaginar alguém que você detesta dando match em outro alguém que te fez muito mal, e prontamente visualizar a cena dessas duas pessoas terríveis sendo felizes juntas…

Poucas coisas no mundo são tão ruins quanto ver gente que não presta se refastelando na vida, e uma delas pode ser a experiência de tentar formar um vínculo com alguém 100% estranho estando atrás de um aparelho eletrônico. Sou muito liberal com algumas coisas, mas o Tinder traz a tona o conservadorismo que há em mim. Constatei que não gosto da dinâmica do serviço e do comportamento geral por lá. O aplicativo fornece seu nome e idade, local de trabalho e estudo, espaço para 6 ou 7 fotos e 500 caracteres caso você deseje colocar alguma descrição. São inúmeras as formas para julgar alguém num ambiente desses. Embora o que esteja exposto para primeiro impacto seja bastante restrito, tais informações acabam sendo marcantes pra alguém que, como eu, usa repelente a base de ceticismo quando tem que lidar com o desconhecido.

Depois de determinada idade, que varia de pessoa para pessoa, ficamos cheios de manias… Não da mais para aturar certas coisas, nem se misturar com todo tipo de gente. Passamos a utilizar filtros cuja exigência cresce de acordo com nosso amadurecimento, objetivos, decepções e gostos pessoais. Não é mais tão simples querer fazer parte da vida de alguém e deixar que esse alguém faça parte da sua também. Existem requisitos a serem preenchidos… A primeira impressão sempre vem pela foto de capa. Ali já da para saber se vale a pena ou não abrir o perfil para ver um pouco mais. Passo direto por gente na praia, cachoeira, no futebol, fazendo trilha, esportes radicais e naquelas muvucas sociais. Não tenho nada em comum com alguém que tem essas atividades como prazeres primários…

Passada essa fase da triagem, chegamos ao “sobre”, e aí o que pode parecer puro preconceito reflete, na verdade, um senso de autopreservação muito grande. Se tem WhatsApp publicado e/ou está pedindo seguidores no Snapchat/Instagram? Passo. Expressa apoio/uso de drogas, dependência alcoólica e/ou fanatismos? Passo. Erros de português, concordância, falta de coerência e frases obsoletas tipo: Foco, força e fé – Deus no comando sempre – Vem que no caminho eu te explico? Passo! Eu me conheço bem, não quero contato com quem que se expõe tanto, com alguém que da tanto valor aos likes e follows da vida online, com vícios que desaprovo, com déficits difíceis para um jornalista engolir, e alguém incapaz de se expressar com as próprias palavras em menos de 500 caracteres.

Se uma amizade assim eventualmente surgir será naturalmente, por contato direto, nunca por uma busca online, e o que faz diferença nesse caso é justamente a questão de se tratar de uma busca. É muito diferente entrar na vida de alguém por ação do destino e procurar fazer parte da vida de alguém através de um meio digital. Na internet, a avaliação se torna mais criteriosa pois ela grita que, se tudo der errado para você, a culpa é sua. Se foi algo que você mesmo procurou, e além de procurar, permitiu, você só tem a si mesmo para responsabilizar por qualquer cilada na qual venha a se meter. É provável que você justifique seu sofrimento com a transgressão alheia e sinta pena de si mesmo por ter sido sacaneado, mas não é nada fácil admitir que talvez você esteja passando por algo desagradável por ter sido permissivo e inconsequente.

Para evitar tudo isso eu antecipo possibilidades, não faço nada tomando por garantia a certeza. Meses atrás uma amiga me convenceu a abrir uma conta no Tinder. Ela contava regularmente histórias divertidas com pessoas legais que encontrou através do app. Lá pelo vigésimo sétimo relato de pessoa incrível, resolvi arriscar. Essa experiência serviu mais como autoavaliação crítica e estudo antropológico, do que realmente uma forma de conhecer gente interessante, embora eu tenha conhecido uma ou duas. Me vi diante de desafios morais ao utilizar o aplicativo, especialmente quando meu superpoder de Overthink¹ entrava em ação. Se eu começasse a conversar com alguém que diz que não se diverte sem bebida, meu superpoder era acionado… Ele me colocava num Flashforward² e me fazia visualizar um futuro que ainda era apenas uma possibilidade.

Nesse futuro imaginário nós éramos amigos, e essa pessoa que não se divertia sem bebida há muito já se tornara um alcoólatra. Ao voltar para o presente, instantaneamente surgiam as perguntas: Vale a pena? Vale a pena abrir minha vida para essa pessoa, que já se mostra bastante problemática, me importar com ela, para mais tarde ter que lidar com isso? Vale a pena arriscar perder uma amizade caso a pessoa não admita que precisa se tratar? Vale arriscar me tornar vítima de qualquer insanidade temporária causada pela mistura perigosa do meu amigo? E após pensar em muitas mais perguntas como essas, o meu interesse pela pessoa e em ter qualquer tipo de envolvimento com ela caíam por terra.

Todos temos bagagem. Todos temos qualidades, defeitos e vícios; Fantasmas e coisas mal resolvidas, mas algumas são mais graves e pesadas que outras, e tem coisas com as quais não vale a pena lidar. É horrível pensar em deixar alguém de lado por sua bagagem, mas quando você admite que existe uma possibilidade de futuro, por menor que seja, você precisa considerar que, como amigo ou como algo mais, os problemas dela (dependendo de quais forem) podem te afetar, e você já tem problemas suficientes com os quais lidar. Qualquer relacionamento exige troca, apoio… É praticamente impossível não se envolver nos dilemas de alguém por quem você tem grande estima, e eu costumo ter bastante pelos meus.

É natural do ser humano ter medo de não ser amado, medo de ficar sozinho. Acredito que ninguém que inicia a formação de um vínculo imagina o seu fim, sexo casual e contatos profissionais não se enquadrariam nesse contexto de vínculo. Acredito que ninguém idealiza uma amizade problemática, com prazo de validade… Ninguém quer amigos para curtir sexta feira a noite e com os quais não se pode contar para nada além disso, nem deseja se apegar a alguém e depois ver essa pessoa ir embora, por qualquer que seja o motivo… A ideia que as relações passam é que serão sólidas e eternas, mas conforme essa inocência é perdida, elas se mostram frágeis. Isso também é natural do ser humano, e já que as coisas acontecem assim, seja no Tinder, na vida real ou virtual, não custa nada ter prudência antes de deixar alguém entrar no seu mundo.

Não sei vocês, mas eu prefiro não ter que me despedir de ninguém.
E se quem tem Tinder não tem medo, acho que deveria começar a ter…

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¹ Overthink: ato de pensar demais.

² Flashforward: é a interrupção de uma sequência cronológica narrativa, uma forma de apresentar um momento futuro.

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O Tabu do Arrependimento

O Tabu do Arrependimento

Esses dias me peguei linkando a relação entre a música Hello da Adele, o comportamento social nessa época do ano e as consequências de suas manifestações. Está chegando a temporada dos corações partidos, que popularmente atende pela alcunha de Carnaval. Logo fiz a analogia entre o evento e a canção. A letra é fácil de decorar e toca num ponto chave e clichê, que beira ser considerado um tabu, mas com o qual é fácil se relacionar desde que se tenha vivido qualquer tipo de relacionamento.

Pensei na quantidade de pessoas que vem sendo orquestradamente descartadas na última semana por seus amorzinhos, que tem em vista curtir a festa sem amarras. Amorzinhos que, de sua forma deturpada, acreditam que isso os isenta do peso na consciência diante da grande possibilidade de traição. Seguindo essa linha, também pensei em quantas dessas pessoas descartadas, que provavelmente amargarão o feriado inteiro na fossa, serão procuradas novamente na quarta feira de cinzas para retomar o relacionamento.

Por questões culturais, a tendência observada em qualquer círculo social aponta que suas dores são inconvenientes. Se você sacaneou ou foi sacaneado, não importa a distinção entre o sujeito que sofre e o que faz sofrer, não é bem visto que você exponha suas mágoas, e essa visão opressora é potencializada quando falamos de arrependimento. Se você sente qualquer um dos dois, fale com um amigo próximo – mas também não encha o saco dele, tome uma cerveja, ou 20, procure um médico, engula um remédio, coloque o seu bloco na rua, mas não deixe que ninguém veja o que há por baixo da sua pele.

Diversos cantores expuseram anteriormente essa idiossincrasia na qual sentir dor e deixar que os outros saibam é condenável, mas a questão do arrependimento foi poucas vezes abordada de forma tão intrínseca. Adele entrou no cenário com as palavras certas. A mensagem de sua canção a posiciona como a carrasca em busca do perdão. Ela fala, sem entrelinhas, do sentimento mais difícil de reconhecer em si próprio, e joga essa carta aberta para admitir contrição sobre o que fez a outrem. Ainda que sua música não esteja inserida num contexto carnavalesco, o tema abordado se relaciona diretamente ao ato de descarte vastamente difundido nessa época do ano, mas que acontece diariamente com toda sorte de pessoas.

Você tem pelo menos um amigo que está sofrendo nesse momento por outra pessoa. Garanto que pode pensar em vários quando questionado sobre “quem sofreu por atitudes alheias”, mas duvido que seja capaz de lembrar de alguém específico se tiver que apontar “quem demonstrou sentir culpa por causar sofrimento”. Se a dor comum a todos é pouco comentada, o arrependimento é dado por morto. Talvez, pensando em si mesmo, você reconheça que já causou alguns pesares, mas essa culpa pessoal dificilmente será admitida, menos ainda compartilhada.

Nesse devaneio imaginei o quão maravilhoso seria se a Adele tivesse partido todos esses corações, e o meu inclusive, em diversas ocasiões… Nenhuma música e nenhum pedido de desculpas conseguem apagar meses, e dependendo da personalidade de cada um, até anos de decepção e tristeza pela falta de respeito, pelo abandono e o que mais tenha causado do fim da relação. Ainda assim, não seria ótimo ver o carrasco assumir responsabilidade por seus atos, tendo ou não se arrependido, mas sendo minimamente íntegro ao admitir que falhou com quem dizia estimar?

Com a repressão do arrependimento, a importância das desculpas foram se perdendo. Talvez esse tabu tenha nascido do orgulho, ou da necessidade de reforçar socialmente a ideia de que você “está ocupado demais sendo feliz para ter tempo de sentir remorso”. Sem essa estupidez quase coletiva haveria mais compensação de danos, e a libertação pessoal trazida pela capacidade de se reparar com alguém seria vastamente exercida. A criação de laços saudáveis e o desenvolvimento de personalidades que, desprovidas de tantas culpas, teriam mais espaço para a paz interior seria comum a todos.

Não foi a Adele quem partiu o meu, o seu, e todos os demais corações, mas foi ela quem trouxe algum senso de culpa não admitida. Foi ela quem deu voz as desculpas que nunca foram pedidas, e que, inconscientemente, esperamos de quem nos falhou. Sua música estará para sempre na história para lembrar (a quem precise ouvir um pedido de perdão) que em algum momento alguém se responsabilizou por seus erros. Tentou se reparar pelo irreparável, mas principalmente, que tentou. E isso talvez possa trazer um pouco de conforto para aqueles que sofrem com a falta de consideração alheia.

Então minha dica para você que está nessa espera, talvez alimentando esperança de algo que pode nunca vir, é: escute Hello. Veja o clipe, coloque em loop infinito, cante aos berros, exorcize esse nó na garganta, chore, mas siga em frente, e caso esteja no time de descarte pré festa, curta o carnaval. Não deixe que os atos de alguém que foi capaz de te tratar com tanta indiferença te impeça, por um segundo sequer, de sentir alegria e aproveitar a vida.

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Orgulho Gay

Orgulho Gay

Estava revendo um seriado com temática LGBT que adoro, Queer As Folk, produzido pelo canal Showtime entre 2000 e 2005. No programa, uma personagem em particular sempre chamou minha atenção. Debbie Novotny é uma orgulhosa mãe PFlag¹ de um dos cinco protagonistas. Quando era adolescente e assisti isso pela primeira vez, a Debbie era apenas uma pessoa incrível. Alguém cujo comportamento serviria como espelho caso algum dia eu venha a ter um filho(a) que não se identifique com o que a sociedade (em sua maioria) espera que ele(a) seja em termos de identidade de gênero e orientação sexual.

Agora, 8 ou 9 anos desde que assisti esse programa pela primeira vez, muita coisa foi conquistada pela comunidade LGBT. Há uma crescente luta contra o preconceito, a criminalização de atos homofóbicos, a legalização da união entre pessoas do mesmo sexo em diversos países… Muito foi feito, mas muito mais ainda precisa ser. E apesar das vitórias, em nenhum momento a legitimidade dessa luta deixou de ser real e necessária na minha consciência e no meu coração.

Na série, alguns personagens passam pelo conflito da descoberta e revelação da própria sexualidade e sofrem com a reação de familiares a sua realidade. E em algumas dessas relações há um grande esforço por parte do familiar para dizer: “ei, eu te amo assim mesmo.” Me peguei pensando no motivo da afirmação desse sentimento ser um esforço para algumas mães, enquanto para a Debbie é muito simples amar e apoiar o filho dela. Por que é necessária uma luta interna para aceitar a sexualidade do outro, para só então conseguir demonstrar aceitação?

Essa é uma questão que nunca vou entender, pois esse sentimento vem para mim de uma forma muito natural. Sou grata por ter tido uma educação livre de preconceitos e um bom senso desde muito nova a respeito das diferenças que existem no mundo, e no quanto essas diferenças não me incomodam nem um pouco. O que sempre me soou relevante é o bom caráter, a escolha das ações que executamos em relação ao outro, a noção de certo e errado de cada um. Entretanto, pensando no comportamento das mães do programa, fui aplacada pelo pensamento: Por que, em caso de aceitação, é necessário reforçar o orgulho?

Existe a resposta óbvia: são tantos conflitos internos antes da decisão de assumir a própria sexualidade que não faz mal nenhum receber demonstrações de apoio e ouvir o quanto você é amado, mas me ocorreu uma outra justificativa para esse orgulho. Mesmo não tendo filhos, acho que consegui compreender a causa. Dizer que mães tendem a ter orgulho do próprio filho é como dizer que o céu tende a parecer azul aos nossos olhos na maior parte dos dias. Então não levo em consideração esse sentimento comum a quase todas, e trago a dúvida e a resposta unicamente para a realidade das mães PFlag.

O orgulho não é de ter um filho, ou do seu filho ser gay. O que talvez ninguém tenha tido coragem de dizer é que não há nada de especial em ser gay. Dizer isso não torna a condição nem boa, nem ruim. Eu jamais diria que ser gay é errado. O que quis dizer é que é normal. Não há nada de extraordinário em ser gay, como não há nada de extraordinário em ser hétero ou qualquer outra coisa. Especial é ter um QI acima da média, é ter bons modos num mundo em que os valores estão distorcidos, extraordinário é conseguir dar um nó no cabo da cereja com a língua.

No fim das contas a questão acaba sendo mostrada de forma errada. Quando o orgulho passou a ser linkado a condição gay, ele foi deturpado. Sem generalizar, fala-se muito de orgulho gay no automático, sem buscar aprofundamendo no significado da expressão e no sentimento ao qual ele remete. Eu mesma não estou buscando tanta profundidade assim, estou apenas externando brevemente um insight que tive ao ver uma série. Qualquer aprofundamento nessa questão exigiria muito mais do que um texto informal de pouco menos de 900 palavras.

Esse esclarecimento do sentimento do orgulho surgiu para mim traduzido no fato de criar alguém forte e corajoso o suficiente para ir contra o que ditam certo. Alguém leal aos próprios sentimentos ao ponto de se dispor a enfrentar um mundo de rejeições para continuar sendo quem é. O orgulho é por ter um filho que tem peito pra dizer “eu não me encaixo nesse padrão e não vou tentar, pois não sou obrigado.” Ser gay não faz ninguém melhor ou pior, mas ter coragem para ser gay num mundo em que isso é condenado por grande parte da sociedade, isso sim é motivo de um extraordinário orgulho.

Todo o meu amor aos amigos e desconhecidos, gays e simpatizantes,
que não se desistem da luta e não deixam o preconceito vencer 

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¹ PFlag é uma organização sem fins lucrativos para parentes, amigos e outros simpatizantes de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT).

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O Limite da Amizade

O Limite da Amizade

Certa vez na faculdade um professor designou um trabalho extremamente chato para fim de período. Tratava-se do fichamento de uma das obras literárias mais importantes da história da filosofia e a principal de Aristóteles, Ética a Nicômaco.

Por ter esse amor à sabedoria considerei uma leitura excelente, mas ter que interrompê-la constantemente para realizar o fichamento tornou a tarefa desagradável. Agora – dois anos mais tarde -, dando uma segunda olhada no meu trabalho, esbarrei em um tópico que chamou minha atenção. Nele surge o questionamento:

Uma amizade deve chegar ao fim quando um dos amigos muda de caráter?

Faz sentido dizer que na sociedade atual existe de tudo, desde pessoas que descartam amizades e relacionamentos com a mesma rapidez com que fazem a digestão, até pessoas que insistem em amizades e relacionamentos falidos pela familiaridade e pelo apego.

Logo após o questionamento Aristóteles explica:

Se um bom homem se torna amigo de alguém no pressuposto de que essa pessoa é boa, mas acaba se tornando má, ele não deve imediatamente romper a amizade. Primeiro, deve tentar ajudar o amigo corrigir seu caráter.

Em prol dessa tentativa de dar ao meu amigo a chance de mostrar ser quem eu conheci e amei, acabei ultrapassando o limite do aceitável. Por meses me forcei a permitir que essas pessoas que me fizeram mal continuassem recebendo minha atenção; Ao minimizar os erros com pensamentos como “foi só uma mancada, é burrice me afastar por causa desse deslize”, descobri que burrice mesmo foi mantê-las por tanto tempo na minha vida, dando oportunidade para que cometessem diversas outras gafes, tornando nossa convivência um aborrecimento constante.

Demorei a abrir mão da familiaridade e do apego para enxergar que aquela pessoa com quem eu estava insistindo em ter um relacionamento não era o amigo que fiz anos atrás. Foi necessária muita força para cortar esses laços e tentar fazer isso da forma menos danosa possível, mantendo o respeito e tentando explicar que apenas não estava mais dando certo. E foi a melhor coisa que fiz por mim.

Enfim, o filósofo conclui:

Se o amigo está além de correção é aceitável acabar com a amizade.

Nunca será fácil se desfazer de alguém, nem mesmo quando esse alguém te der todos os motivos para isso, mas as vezes é necessário. Nem todas as relações devem para durar para sempre, principalmente aquelas que não fazem mais sentido quando se pensa no que uma amizade deve ser.

Aproveite esse começo de ano para se dar uma chance de viver melhor. Isso não é um incentivo para que você passe a descartar pessoas, apenas para que aprenda a redirecionar seu afeto para quem o merece, quem verdadeiramente te valoriza. Saiba respeitar os seus limites. Tire as pessoas tóxicas da sua vida e dê valor as que te fazem bem, ou pelo menos àquelas não te fazem mal.

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A Virada

A Virada

Todo fim de ano é a mesma história; as festas chegam e o mundo se divide entre pessoas que ralam na cozinha para preparar a comida, e pessoas que aparecem, lindas e descansadas, só para comer. Pessoas realizadas, satisfeitas com o ano que está chegando ao fim, e pessoas infelizes que estão cronometrando o tempo que falta para que ele finalmente acabe. Os que perderam o emprego, o namorado, o marido, entes queridos versus os que foram promovidos, começaram um relacionamento e agregaram pessoas amadas. A verdade é que independentemente do ano ter sido bom ou ruim para você, independentemente da esperança de que o próximo seja (ainda mais) próspero, o que pode de fato acontecer é totalmente imprevisível, e isso assusta muito.

No fim das contas não existe fórmula para a felicidade, nem meios de garantir que ela se faça mais presente do que a tristeza. Por mais que você tente não contrariar as previsões do seu signo para não irritar as forças cósmicas, isso não funciona de verdade. O que você pode (e deve) fazer é tentar tirar o melhor do pior. Isso não pode ser exercitado em absolutamente todas as situações, mas pode ser aplicado na maior parte delas. Talvez você esteja pensando: “é muito fácil de dizer e não tanto de conseguir”, mas deixe eu te dizer, não é fácil, não. Eu nunca te diria para tentar alcançar algo simples, pois isso você provavelmente já sabe fazer.

Tire uns minutos do seu dia e pense em 2015. Comece pelos desejos feitos na virada do ano. Não vai ser complicado pensar em todas as experiências negativas que você vivenciou nesses 362 dias já riscados do calendário, mas talvez seja complicado encontrar algo de positivo nelas. Se for necessário faça uma lista, mas encontre alguma luz no meio de toda essa escuridão e agradeça por ela. Não em tom de ironia ou por ter tido qualquer prazer no sofrimento, mas por ter recebido a oportunidade de aprender algo com ele. E aprenda, qualquer que seja a lição… Não permita que esses infortúnios se repitam. Na maior parte das vezes eles só se repetem quando a gente não assimilou o ensinamento.

Talvez dessa forma se consiga inspirar um 2016 menos obscuro. Ou, pelo menos, com essa nova forma de encarar cada dia e cada circunstância sejamos capazes de exigir menos resultados excelentes da vida, quando temos o hábito de só exaltar o caráter pessimista das oportunidades que ela nos dá.

Feliz nova chance de ser feliz.

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