Literatura e Cinema: Histórias Perturbadoras

Literatura e Cinema: Histórias Perturbadoras

Na nossa cultura, histórias de terror fazem sucesso. Seja no cinema, na literatura, televisão ou nos vídeo-games, há um grande apelo por entretenimento que se enquadre nesse segmento. De caráter puramente ficcional, com criaturas imaginárias e realidades alternativas, falando de pessoas comuns com problemas mentais sérios ou baseadas em fatos reais, as histórias de terror em suas vastas formas de manifestação tem público cativo e crescente. Então, paramos para pensar nos motivos para que esse tipo de narrativa faça tanto sucesso, e nossa resposta também pode ser um tanto quanto perturbadora…

Qualquer manifestação assustadora ou condenável remete a sentimentos muitos íntimos. Tais sentimentos muitas vezes sequer são pronunciados por seu grau de horror ou pelo tabu que os cercam. Histórias de terror normalmente causam desconforto, e nós (humanos) costumamos responder à imposição de tudo que nos agita, principalmente àquilo que nos agita de forma negativa; Coração disparado, tensão, medo, susto, enjoo, repulsa e raiva costumam ser as reações mais comuns a esse tipo de narrativa. E por que buscamos distração em algo que cutuca os piores sentimentos que poderíamos ter? Porque relatos dessa natureza costumam ser bem desenvolvidos, e aquilo que negamos, mas existe, também precisa ser saciado…

Não, não estamos dizendo que você é um maluco que quer matar adolescentes com uma serra elétrica na próxima sexta feira 13 (ou talvez queira, sei lá), mas em geral você, eu, e pessoas que não sofrem com doenças mentais graves precisam exercitar seus sentimentos, todos eles, inclusive aqueles ruins que tentamos não alimentar no dia a dia, e podem sair de controle quando provocados por qualquer ocasionalidade do mundo real. A temática do horror promove esse exercício com certa segurança, mexe com a adrenalina, nos faz presenciar situações com as quais provavelmente jamais teremos que lidar. Talvez ela transmita a ideia de que o mal (quase) sempre vence, mas o mundo em que vivemos não é um filme da Disney

Claro, muitas dessas histórias são puramente ficcionais, ou tocam em perversões pessoais que não afligem a maior parcela da sociedade, mas muitas refletem preocupações sociais reais; Sequestro, estupro, assassinato, psicopatia, a morte e o medo de morrer, etc. Com esse tipo de entretenimento acabamos atentando para esses temas, e aprendemos outras coisas também, tipo não andar pela floresta sozinho, não dar as costas para estranhos em ambientes desconhecidos, deitar no chão ao ouvir tiros, destruir o cérebro para matar os zumbis, e que separar o grupo para procurar uma saída ou solução significa que você provavelmente vai morrer, não faça isso…

Para completar essa ilustração do quanto histórias que causam incômodo agradam ao público, fizemos uma pequena lista com 6 livros perturbadores que ganharam destaque e versões cinematográficas:

  • Os 120 dias de Sodoma

Essa obra do Marquês de Sade trata de desejo, orgia e todo tipo de perversão e transgressão moral que possa existir. Não é a toa que o termo sadismo foi criado a partir do Sade desse infame Marquês. Em sua história, o sexo rapidamente se torna extremamente sádico. Humilhação, dor e morte eventualmente se perpetuam na narrativa. Basicamente todos os fetiches sexuais bizarros e degradantes são explorados em detalhes no livro. Ele foi escrito em 1785, e ganhou sua versão cinematográfica em 1975. Intitulado “Salò” e dirigido pelo italiano Pier Paolo Pasolini, o filme é amplamente considerado como um dos mais desagradáveis e perturbadores de todos os tempos.

  • A Estrada

Se tivesse que resumir o título de Cormac McCarthy em uma palavra seria definitivamente sombrio. Essa obra trata de um pai e seu filho pequeno tentando sobreviver após um evento cataclísmico deixar o mundo estéril e cinza. A dupla viaja através desse universo pós-apocalíptico com a esperança do pai de que tudo irá melhorar à medida que se aproximem do Sul dos Estados Unidos. Independentemente de suas esperanças, as plantas não crescem, o cenário não muda, a comida é escassa e há canibais por toda parte… A angústia e a sensação de ter sido repetidamente atingido no estômago duram por toda a leitura. Adaptado em 2009 para o cinema, o filme homônimo conta com a atuação de Viggo Mortensen no papel do pai e não ameniza os sentimentos gerados pelo livro, tendo um desenrolar proporcionalmente desagradável.

  • Ensaio Sobre a Cegueira

Esse livro, de José Saramago, trabalha um cenário verdadeiramente horrível: Um vírus facilmente transmissível causa a perda da visão em basicamente todos no mundo em um curto período de tempo, e embora trate-se de uma obra de ficção, isso não diminui o impacto causado em quem lê. A história segue um grupo de personagens que estão entre os primeiros diagnosticados e que são enviados para quarentena, e fala bastante sobre a rapidez com que a sociedade entra em colapso diante da propagação dessa doença. Muito já foi dito sobre o livro ser, na verdade, uma alegoria sobre cegueira espiritual, mas se o encararmos literalmente, ele é bem mais assustador. Adaptado para o cinema em 2008 e dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, o filme conta com um elenco de peso e expressa com fidelidade visceral o desespero silencioso de uma cegueira repentina.

  • Precisamos Falar Sobre Kevin

Escrito por Lionel Shriver, esse trabalho diz respeito a um massacre fictício numa escola contado através da perspectiva da mãe do causador do terror, Kevin. Na obra, a mãe escreve cartas para seu ex-marido tentando entender o monstro que colocou que no mundo. O livro fala em detalhes sobre o comportamento de Kevin, que exibia sinais de psicose desde jovem, até o momento em que provoca a morte de sete colegas, um funcionário da lanchonete, e um professor de álgebra. A mãe culpa parcialmente a si mesma, acredita que por nunca ter sido uma entusiasta da maternidade, ficou fadada a criar de um indivíduo profundamente perturbado. Essa história, obscura e muito bem escrita, chegou aos cinemas em 2011 e não economizou em crueldade e terror psicológico.

  • Psicopata Americano

Esse livro faz com que você realmente questione a sanidade do autor, Bret Easton Ellis. Muitas pessoas provavelmente estão familiarizadas com a versão cinematográfica de 2000 estrelada por Christian Bale, mas o filme empalidece em comparação ao livro quando se trata de níveis de insanidade depravada. A história nos apresenta a Patrick Bateman ao longo de alguns anos de sua vida, um abastado engravatado de Wall Street que por nenhum acaso também desempenha a função de Serial Killer. Tudo se desenvolve através de seus assassinatos, que se tornam gradativamente mais sádicos, levando a algumas cenas que podem nunca sair completamente da sua mente. Dá para garantir que você vá se sentir (no mínimo) um pouco sujo após ler esse livro.

  • Réquiem Para um Sonho

Campanhas antidrogas deveriam parar de utilizar comerciais tradicionais aos quais ninguém presta atenção e começar a utilizar esse livro de Hubert Selby Jr. como leitura obrigatória nas escolas. As pessoas ainda usariam drogas, mas creio que pensariam duas vezes após lê-lo. É possível que grande parte do público esteja mais familiarizado com o filme lançado em 2000, estrelado pelo também cantor Jared Leto (30 Seconds to Mars) e sequer tenha noção da existência do livro… O filme, que trata com bastante fidelidade a narrativa original, traz a história de quatro personagens… Todos vêem as suas vidas arruinadas por diversos vícios e no fim das contas o personagem principal acaba não sendo nenhum deles, mas o vício em si, o que torna a obra um passeio profundamente deprimente, especialmente pelo seu toque de triste realidade.

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Certamente existem obras mais substanciais a nível de subversividade e loucura a disposição para quem queira ler, mas esses foram os exemplos de sucesso e amplo alcance que escolhemos para falar hoje. Entretanto, recomendamos que para a distração exista um controle do quão mal você deve se sentir… Nós gostamos de mistérios, assassinatos e histórias policiais, mas não incentivamos que você se atrofie apenas nesse tipo de segmento para se entreter. Explore os outros estilos, e nunca se force a assistir ou ler nada que ultrapasse seus limites e mexa demais com seu subconsciente. É importante saber respeitar a si mesmo… Mesmo porque, não há como curtir nada quando se está passando mal de verdade.

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Cultura e Apropriação Cultural

Cultura e Apropriação Cultural

Lançado em 29 de janeiro, o novo clipe do Coldplay, Hymn for the Weekend, que conta com a parceria (miníma) de Beyoncé vem sendo altamente criticado e acusado de apropriação cultural. Entre as notícias, repetidas quase que identicamente em mil e um portais, está a questão do reforço dos esterótipos, da exploração da pobreza, do cenário e da religiosidade. As indignações também se referem ao lucro dessa produção, que renderia apenas aos artistas, deixando as regiões utilizadas na locação e os naturais da Índia a ver navios.

Aqui, não pretendo entrar no mérito dessa questão em especial, pretendo tentar entender o conceito de cultura, que é um tema bastante complexo, para então tentar explicar o que é apropriação cultural, que é mais complexo ainda. Antes de expor qualquer definição oficial de um e outro termo, preciso considerar que no meu inconsciente existiam dois tipos de cultura: A natural de um lugar ou povo, e a cultura comercial, fruto do intelecto de um ou mais indivíduos, que pode ou não ter sido desenvolvida com base na natural.

No primeiro caso, a cultura seria um bem comum, pertencente ao seu local de origem, mas livre para o consumo de qualquer interessado ou simpatizante. Ela diria respeito ao comportamento social daqueles inseridos em seu grupo, e seria passível de lucro através do turismo. No segundo caso, a cultura seria estritamente uma propriedade intelectual, pertencente a quem quer que a tenha criado ou patenteado, independentemente da influência da cultura natural, como acontece com a arte, a música, a literatura e os demais trabalhos autorais…

Segundo a sociologia e falando resumidamente, a explicação de cultura menciona que trata-se de um emaranhado de definições que dão significado à realidade que cerca uma pessoa ou um grupo de pessoas. Nesse emaranhado estão incluídas diversas questões, tais como: hábitos, regras sociais, crenças, línguas, tradições… Isso quer dizer que, independentemente do comportamento e do gosto de um indivíduo ser considerado bom ou ruim por você, sociologicamente ele é apenas diferente, e esse indivíduo possui cultura, apesar daqueles que vão contra suas expressões acreditarem que esta lhe falta, pois ter cultura é estar inserido num contexto social, e isso todos nós estamos.

Então surge a noção de apropriação, que é bastante rígida e não desacredita inteiramente o meu conceito pessoal de cultura, embora também não o reafirme. Em sua compreensão, apropriação cultural é a adoção ou representação de elementos específicos de uma cultura por um grupo não pertencente a ela. Normalmente envolve membros de uma comunidade dominante que exploram a cultura daquelas menos privilegiadas – muitas vezes com pouca compreensão de sua história, experiência e tradições. Essa reivindicação ocorre quando ícones desses grupos desprivilegiados são tirados de seu povo e transformados em mercadorias e fantasias, pois, uma vez removidos de seus contextos culturais, seus significados divergem do original.

A realidade da globalização e seu efeito de troca vem se chocando com esses conceitos. Uma vez que a dissolução das fronteiras ocorre, o intercâmbio cultural aumenta, e esse movimento, que intenta o progresso em conjunto das diferentes nações, acaba facilitando a desvalorização dos costumes regionais. Assim manifesta-se a dinâmica de poder entre culturas e as constatações de comportamento etnocêntrico¹ e xenofóbico² para com aquelas mais diferentes. O reconhecimento dos hábitos de povos social e economicamente distantes cria um processo de troca unilateral no qual as culturas marginalizadas podem sofrer discriminações étnicas por seus costumes, e, ao mesmo tempo, as culturas privilegiadas podem mercantilizar seus signos e linguagem para criar moda, gerar entretenimento e até para ridicularização dos mesmos.

Antes de buscar o significado dessas ideias a crítica ao clipe me pareceu absurda, mas compreendi sua necessidade e reconheço sua legitimidade, ainda que não concorde inteiramente com o que configura erro nesses casos. Portanto, não condeno os cantores, primeiro por não ser esse o meu papel, segundo, por não serem os primeiros (nem os últimos) a realizarem algo desse tipo, seja com a Índia ou com a cultura de qualquer outro lugar. Acredito que se é para começar a responsabilizar as expressões artísticas pelos padrões repetidos e o reforço de estereótipos, o próprio país deveria, para começo de conversa, desenvolver leis de regulamentação e comercialização de seus símbolos.

Os brasileiros também não reagem bem quando um estrangeiro se espanta ao descobrir que não vivemos no meio dos macacos na Amazônia. Sim, muitos ainda tem essa imagem do Brasil. Assim, percebo a importância de compreender esses conceitos para saber discernir quando ocorrem, e entendo por que incomodam. É preciso aprender a lidar com culturas não dominantes e respeitá-las. Qualquer reivindicação sobre o uso indevido de seus elementos devem ser levados em consideração. É como dar voz a uma minoria, e o que seria mais tolerante, includente e respeitoso do que ouvir o que ela tem a dizer sobre a representação de seus costumes?

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¹ Etnocêntrico: de etnocentrismo. Visão de mundo característica de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade socialmente mais importante do que os demais.

² Xenofóbico: que demonstra medo, aversão ou profunda antipatia em relação aos estrangeiros. Desconfiança em relação a pessoas estranhas ao meio daquele que as julga ou que vêm de fora do seu país. A xenofobia pode ter como alvo não apenas pessoas de outros países, mas de outras culturas, subculturas, sistemas de crenças ou características físicas. O medo do desconhecido pode ser mascarado no indivíduo como aversão ou ódio, gerando preconceitos, ainda que nem todo preconceito seja necessariamente causado por xenofobia.

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O Limite da Amizade

O Limite da Amizade

Certa vez na faculdade um professor designou um trabalho extremamente chato para fim de período. Tratava-se do fichamento de uma das obras literárias mais importantes da história da filosofia e a principal de Aristóteles, Ética a Nicômaco.

Por ter esse amor à sabedoria considerei uma leitura excelente, mas ter que interrompê-la constantemente para realizar o fichamento tornou a tarefa desagradável. Agora – dois anos mais tarde -, dando uma segunda olhada no meu trabalho, esbarrei em um tópico que chamou minha atenção. Nele surge o questionamento:

Uma amizade deve chegar ao fim quando um dos amigos muda de caráter?

Faz sentido dizer que na sociedade atual existe de tudo, desde pessoas que descartam amizades e relacionamentos com a mesma rapidez com que fazem a digestão, até pessoas que insistem em amizades e relacionamentos falidos pela familiaridade e pelo apego.

Logo após o questionamento Aristóteles explica:

Se um bom homem se torna amigo de alguém no pressuposto de que essa pessoa é boa, mas acaba se tornando má, ele não deve imediatamente romper a amizade. Primeiro, deve tentar ajudar o amigo corrigir seu caráter.

Em prol dessa tentativa de dar ao meu amigo a chance de mostrar ser quem eu conheci e amei, acabei ultrapassando o limite do aceitável. Por meses me forcei a permitir que essas pessoas que me fizeram mal continuassem recebendo minha atenção; Ao minimizar os erros com pensamentos como “foi só uma mancada, é burrice me afastar por causa desse deslize”, descobri que burrice mesmo foi mantê-las por tanto tempo na minha vida, dando oportunidade para que cometessem diversas outras gafes, tornando nossa convivência um aborrecimento constante.

Demorei a abrir mão da familiaridade e do apego para enxergar que aquela pessoa com quem eu estava insistindo em ter um relacionamento não era o amigo que fiz anos atrás. Foi necessária muita força para cortar esses laços e tentar fazer isso da forma menos danosa possível, mantendo o respeito e tentando explicar que apenas não estava mais dando certo. E foi a melhor coisa que fiz por mim.

Enfim, o filósofo conclui:

Se o amigo está além de correção é aceitável acabar com a amizade.

Nunca será fácil se desfazer de alguém, nem mesmo quando esse alguém te der todos os motivos para isso, mas as vezes é necessário. Nem todas as relações devem para durar para sempre, principalmente aquelas que não fazem mais sentido quando se pensa no que uma amizade deve ser.

Aproveite esse começo de ano para se dar uma chance de viver melhor. Isso não é um incentivo para que você passe a descartar pessoas, apenas para que aprenda a redirecionar seu afeto para quem o merece, quem verdadeiramente te valoriza. Saiba respeitar os seus limites. Tire as pessoas tóxicas da sua vida e dê valor as que te fazem bem, ou pelo menos àquelas não te fazem mal.

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