A Carência da Moda Nacional

A Carência da Moda Nacional

Essa semana fui levada a refletir sobre a indústria de moda nacional, mas não de forma geral, o foco do pensamento foi voltado ao nicho Mignon e Plus Size com relação a variedade, preço e qualidade. Enquanto sua reação com o mundo da moda talvez possa ser expressada com satisfação pelas tendências que surgem, as que ressurgem, e surpresa pelas que sobrevivem por temporadas e mais temporadas sem perderem o apelo social, para mim, o buraco no que diz respeito a inclusão e representatividade é bem mais embaixo… É sério que já estamos em 2016 e tudo continua quase igual a 10, 15, 20 anos atrás para quem é pequeno ou magro demais, para quem é sobrepeso, para quem é alto, e para quem calça menos que 36 ou mais que 39? Brasil, queira melhorar…

De roupas à calçados, há uma carência sem precedentes no mundo fashion para pessoas que não se enquadram nos tamanhos considerados padrão. Para as mais magras e/ou baixinhas, conhecidas também como Mignon, ter que comprar roupas na seção infantil não é uma novidade, muitas só encontram opções ali. Para as mais gordinhas e/ou altas, não encontrar uma roupa que lhes sirva ou que não pareça ter sido feita com panos de chão melhorou um pouco nos últimos anos, mas ainda está longe de alcançar o resultado ideal. Mas especialmente, para quem calça menos que 36 e mais que 39 a vida pode se tornar consideravelmente mais amarga.

O interessante é que todos precisamos do algo para vestir e calçar. Cada situação social exige um decoro, não só no que diz respeito a comportamento, mas também a um tipo de código de vestimenta do que se adequaria a determinada ocasião. Além de enfrentar as dificuldades já citadas em encontrar algo que sirva, os poucos produtos que atendem a necessidade dessa parcela de pessoas excluídas das araras são extraordinariamente mais caros do que aqueles que se encontra de sobra no mercado. Quando não, o que reina é o acabamento porco e má qualidade dos materiais, resultando em mercadorias que podem ser consideradas descartáveis. Depois de usar poucas vezes, já não presta mais…

Usemos como exemplo uma mulher plus size… Além do sobrepeso, o que já dificulta bastante a satisfação do guarda roupas, a biologia de seu corpo resolveu que ela teria um pé tamanho 42… Em que loja de calçados ela pode encontrar sapatos que lhe sirvam? Numa busca rápida na internet encontrei 5 sites nacionais que comercializam sapatos com “numeração especial”, como são chamados. E essa é a opção desta mulher; Ter que escolher entre modelos limitados, comprar pela internet sem a certeza de que o sapato tem qualidade ou se irá calçar bem, lidar com a possibilidade de precisar trocar a mercadoria, lidar com as burocracias dos Correios (outro serviço porco do país) para essa troca, e claro, pagar uma fortuna por isso. Enquanto uma sapatilha de “numeração padrão” pode ser encontrada por R$50 em qualquer loja física perto da sua casa, uma com “numeração especial” começa a ser vendida à partir de R$90 na loja online mais barata.

Talvez você esteja pensando que são casos isolados, ou que não constituem uma quantidade significativa de pessoas a ponto de merecerem atenção da indústria, mas não é bem assim. Existe uma grande parcela da comunidade feminina cujo pé não parou de crescer quando chegou ao 39. Eu mesma, no meu limitado grupo de amigos conheço umas dez mulheres entre 18 e 60 anos que vem lidando com esse problema a vida inteira. O mesmo vale para quem calça menos de 36, as Plus Size e as Mignon, todas gostam de coisas bonitas a preços acessíveis e com qualidade, e nenhuma delas tem o privilégio de encontrar seu número de roupa ou sapato em qualquer loja de esquina.

O resultado da falta de opções no mercado mexe não apenas com o bolso, mas principalmente com o emocional. Com o desgosto constante de passar por uma vitrine, amar alguma coisa, e saber que ela não te serve, pois quem a desenhou e produziu não o fez para a massa, fez para um público com padrão limitado e que não corresponde nem de longe ao que constitui uma sociedade. Designers e estilistas, busquem sair um pouco do mundo no qual vocês escolheram viver e olhem para o mundo no qual todos vivem. Talvez esse relance os faça perceber a diversidade de gostos e tipos que vem sendo negligenciados por décadas.

É movida por um desejo profundo de fazer alguma diferença e estimular a melhora desse mercado que escrevi esse texto. A sociedade do consumo abraça também os grupos menos representados. As novas gerações vem com ainda mais diversidade pessoal, e com ainda mais desejo por coisas bonitas, novas, e as querem em quantidade. O consumismo massivo de bens e serviços disponíveis está sendo alimentado graças a toda essa tecnologia, a conexão constante com as marcas através das redes sociais, a variedade e a elevada produção dos mesmos. Para quem quer crescer nesse negócio, a prioridade deveria ser atrair novos públicos e saciá-los oferecendo aquilo que necessitam. Dar voz aos ignorados e atender a lei da Oferta e Procura desses nichos pode ser mais uma porta para o sucesso, e para isso, basta que ela seja aberta…

Ninguém faz melhor propaganda de uma marca ou produto do que aqueles que o consomem.

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Cultura e Apropriação Cultural

Cultura e Apropriação Cultural

Lançado em 29 de janeiro, o novo clipe do Coldplay, Hymn for the Weekend, que conta com a parceria (miníma) de Beyoncé vem sendo altamente criticado e acusado de apropriação cultural. Entre as notícias, repetidas quase que identicamente em mil e um portais, está a questão do reforço dos esterótipos, da exploração da pobreza, do cenário e da religiosidade. As indignações também se referem ao lucro dessa produção, que renderia apenas aos artistas, deixando as regiões utilizadas na locação e os naturais da Índia a ver navios.

Aqui, não pretendo entrar no mérito dessa questão em especial, pretendo tentar entender o conceito de cultura, que é um tema bastante complexo, para então tentar explicar o que é apropriação cultural, que é mais complexo ainda. Antes de expor qualquer definição oficial de um e outro termo, preciso considerar que no meu inconsciente existiam dois tipos de cultura: A natural de um lugar ou povo, e a cultura comercial, fruto do intelecto de um ou mais indivíduos, que pode ou não ter sido desenvolvida com base na natural.

No primeiro caso, a cultura seria um bem comum, pertencente ao seu local de origem, mas livre para o consumo de qualquer interessado ou simpatizante. Ela diria respeito ao comportamento social daqueles inseridos em seu grupo, e seria passível de lucro através do turismo. No segundo caso, a cultura seria estritamente uma propriedade intelectual, pertencente a quem quer que a tenha criado ou patenteado, independentemente da influência da cultura natural, como acontece com a arte, a música, a literatura e os demais trabalhos autorais…

Segundo a sociologia e falando resumidamente, a explicação de cultura menciona que trata-se de um emaranhado de definições que dão significado à realidade que cerca uma pessoa ou um grupo de pessoas. Nesse emaranhado estão incluídas diversas questões, tais como: hábitos, regras sociais, crenças, línguas, tradições… Isso quer dizer que, independentemente do comportamento e do gosto de um indivíduo ser considerado bom ou ruim por você, sociologicamente ele é apenas diferente, e esse indivíduo possui cultura, apesar daqueles que vão contra suas expressões acreditarem que esta lhe falta, pois ter cultura é estar inserido num contexto social, e isso todos nós estamos.

Então surge a noção de apropriação, que é bastante rígida e não desacredita inteiramente o meu conceito pessoal de cultura, embora também não o reafirme. Em sua compreensão, apropriação cultural é a adoção ou representação de elementos específicos de uma cultura por um grupo não pertencente a ela. Normalmente envolve membros de uma comunidade dominante que exploram a cultura daquelas menos privilegiadas – muitas vezes com pouca compreensão de sua história, experiência e tradições. Essa reivindicação ocorre quando ícones desses grupos desprivilegiados são tirados de seu povo e transformados em mercadorias e fantasias, pois, uma vez removidos de seus contextos culturais, seus significados divergem do original.

A realidade da globalização e seu efeito de troca vem se chocando com esses conceitos. Uma vez que a dissolução das fronteiras ocorre, o intercâmbio cultural aumenta, e esse movimento, que intenta o progresso em conjunto das diferentes nações, acaba facilitando a desvalorização dos costumes regionais. Assim manifesta-se a dinâmica de poder entre culturas e as constatações de comportamento etnocêntrico¹ e xenofóbico² para com aquelas mais diferentes. O reconhecimento dos hábitos de povos social e economicamente distantes cria um processo de troca unilateral no qual as culturas marginalizadas podem sofrer discriminações étnicas por seus costumes, e, ao mesmo tempo, as culturas privilegiadas podem mercantilizar seus signos e linguagem para criar moda, gerar entretenimento e até para ridicularização dos mesmos.

Antes de buscar o significado dessas ideias a crítica ao clipe me pareceu absurda, mas compreendi sua necessidade e reconheço sua legitimidade, ainda que não concorde inteiramente com o que configura erro nesses casos. Portanto, não condeno os cantores, primeiro por não ser esse o meu papel, segundo, por não serem os primeiros (nem os últimos) a realizarem algo desse tipo, seja com a Índia ou com a cultura de qualquer outro lugar. Acredito que se é para começar a responsabilizar as expressões artísticas pelos padrões repetidos e o reforço de estereótipos, o próprio país deveria, para começo de conversa, desenvolver leis de regulamentação e comercialização de seus símbolos.

Os brasileiros também não reagem bem quando um estrangeiro se espanta ao descobrir que não vivemos no meio dos macacos na Amazônia. Sim, muitos ainda tem essa imagem do Brasil. Assim, percebo a importância de compreender esses conceitos para saber discernir quando ocorrem, e entendo por que incomodam. É preciso aprender a lidar com culturas não dominantes e respeitá-las. Qualquer reivindicação sobre o uso indevido de seus elementos devem ser levados em consideração. É como dar voz a uma minoria, e o que seria mais tolerante, includente e respeitoso do que ouvir o que ela tem a dizer sobre a representação de seus costumes?

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¹ Etnocêntrico: de etnocentrismo. Visão de mundo característica de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade socialmente mais importante do que os demais.

² Xenofóbico: que demonstra medo, aversão ou profunda antipatia em relação aos estrangeiros. Desconfiança em relação a pessoas estranhas ao meio daquele que as julga ou que vêm de fora do seu país. A xenofobia pode ter como alvo não apenas pessoas de outros países, mas de outras culturas, subculturas, sistemas de crenças ou características físicas. O medo do desconhecido pode ser mascarado no indivíduo como aversão ou ódio, gerando preconceitos, ainda que nem todo preconceito seja necessariamente causado por xenofobia.

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David Bowie: A ascensão de uma Estrela

David Bowie: A ascensão de uma Estrela

Com mais de 50 anos de carreira e tido como um dos artistas mais subversivos do século 20, David Bowie, que lutava há um ano e meio contra um câncer de fígado marcou gerações e construiu um legado. Apresentando trabalhos primorosos em todos os campos que lhe interessavam e se dispôs a atuar, Bowie serviu de inspiração para diversas manifestações artísticas e pessoais, se tornando um dos ícones do Glam Rock e sendo referenciado por outros famosos talentosos, como J.J. Abrams¹.

“Ele sempre fez o que quis fazer. E ele queria fazer do jeito dele, e queria fazer do melhor jeito. A morte dele não foi diferente de sua vida – um trabalho de arte. Ele fez Blackstar para nós, seu presente de despedida. Eu soube por um ano que isso seria dessa forma. Não estava, no entanto, preparado. Ele era um homem extraordinário, cheio de amor e de vida. Estará sempre conosco. Por agora, é apropriado chorar.”

Foram essas as palavras de Tony Visconti, amigo e produtor de David Bowie sobre a morte do cantor. Esse trecho, publicado na manhã desse fatídico dia 11 de janeiro não poderia ser mais pertinente à ocasião, e não está sendo fácil escrever sobre isso…

Bowie conseguiu resistir o suficiente para lançar seu último disco no dia 8 de janeiro, que nada coincidentemente corresponde também a data de seu aniversário. Aos recém completos 69 anos, ele vivia afastado dos holofotes e da mídia e havia sofrido seis ataques cardíacos nos últimos anos. Devido ao estágio avançado do câncer de fígado, de difícil recuperação por tratar-se de um diagnóstico complicado e quase sempre tardio, o cantor estava ciente de como seria seu fim e da assustadora proximidade do mesmo.

Blackstar, citado no trecho de Tony, é representado por uma estrela negra (★) e veio cercado de alegorias e referências à morte. É o vigésimo sexto CD do britânico, e menciona passagens da Bíblia e clássicos como “Laranja Mecânica”. No vídeoclipe do primeiro single homônimo ao disco, bastante aclamado pelos críticos, o cantor traz a imagem de um astronauta morto, facilmente referenciado ao eterno Major Tom sobre o qual fala a canção “Space Oddity“, de 1969, e que acaba sendo retratado também em outras obras do artista. Seu segundo single, “Lazarus“, entre representações mórbidas mais óbvias faz também uma clara analogia ao personagem bíblico Lázaro de Betânia, ressuscitado por Jesus Cristo no quarto dia após sua morte.

David Bowie viveu em arte, produzindo e inspirando-a. Apesar das debilidades da doença e do tratamento pesado, o cantor transformou sua passagem na saída de palco mais brilhante e comovente do mundo da música, dando um novo significado ao que é deixar a vida para entrar na história. Sua autenticidade e a capacidade de se reinventar sobrevivem como exemplos aos que não admitem ser enquadrados nos modelos tradicionais. E assim Bowie transcende, mais uma vez, com a certeza de que continuará influenciando gerações, deixando saudades e tornando-se uma estrela mais brilhante do ele mesmo supunha ser.

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¹ Na primeira temporada de Fringe (2008–2013), o personagem “David Robert Jones”, apresentado como um dos principais antagonistas da série faz referência a David Bowie e utiliza o nome de batismo do cantor. Na segunda temporada, “Thomas Jerome Newton” aparece como mais um dos vilões de um universo alternativo, sendo este o nome do personagem interpretado por Bowie no filme “The Man Who Fell to Earth“. O programa conta com produção, direção e roteiro de J.J. Abrams e é um super favorito de quem vos fala.

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