Nem Sempre Confesse

Nem Sempre Confesse

Resolvi aproveitar o clima do confesse que está rolando por causa de Game of Thrones para publicar esse texto que está há meses na minha gaveta… Isso poderia ter sido um desabafo, uma confissão cara a cara, mas optei que não fosse, pois se confessar nem sempre vale a pena.

Conheço uma mulher há tantos anos que meu primeiro instinto é chamá-la de menina. Bom, ela já fez 20 e muitos anos e nós comemoraríamos duas décadas de amizade… Se ainda fossemos amigas. Decidi não transformar meus incômodos e mágoas com ela numa DR, muito menos numa tentativa de consertar as coisas entre nós. É de se esperar que em tanto tempo nós tenhamos tido os nossos atritos e breves períodos brigadas uma com a outra. Não era uma amizade perfeita e nem teria como ser, uma vez que nós não o somos.

Passamos por muitas coisas juntas e no ano passado houve um incidente que invocou o basta dentro de mim. Depois de certa experiência com as pessoas você se torna mais prático na vida, e passa a decidir por quais lutas vale a pena brigar, e por essa não valia. Em nossos raros contatos, antes do momento basta, voltávamos àquela velha máxima de “vamos marcar”, e nunca de fato marcávamos. Eu tentava, mas aos poucos fui notando que essa manifestação da parte dela era totalmente vazia. Também fui chegando à conclusão que eu não sabia nada sobre a vida daquela grande amiga de longa data, mas que sempre que nos falávamos eu contava tudo o que havia acontecido na minha.

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Outro dia vi a história de David que, ao começar a amadurecer deixou de lado seu melhor amigo de infância, Scott. O primeiro já pensava em namoro, enquanto o segundo ainda se agarrava aos velhos hábitos de infância. Havia uma crescente diferença de interesses entre os dois, e nenhum adolescente conseguiria lidar com essa situação com sabedoria emocional. David então acabou se afastando de Scott por achar que seu comportamento atrapalhava sua imagem perante os colegas.

E o que aconteceu no decorrer da narrativa surpreendeu a todos… Scott estava fazendo aniversário e não abriu mão da presença de seu melhor amigo durante a comemoração. Forçado a ir pelos pais, que nunca tem noção do quanto seus filhos são capazes de mudar do dia para a noite, David compareceu. E, durante a festa, Scott sofre um acidente e morre. David, que estava odiando cada segundo presencia o acidente e embarca num espiral de culpa por ter sido negligente com aquele que havia sido seu primeiro e único amigo de longa data.

No dia seguinte, na escola, embora 97% dos alunos do colégio sequer soubesse quem Scott era, tomar consciência de que alguém que caminhava naqueles mesmos corredores ontem, está morto agora, abala a ideia que os jovens costumam ter de que esse tipo de coisa nunca vai acontecer com eles ou com alguém próximo. Logo começam a inquerir David sobre Scott, seus hábitos e gostos, e isso o tira do sério. O adolescente explode diante de todos.

Ele admite que vinha sendo um péssimo amigo para Scott, mas acusa todos ao seu redor de também estarem sendo. Ressalta que embora estivesse tratando Scott mal, essas pessoas que agora parecem super interessadas nele também o tratavam mal o tempo todo. Que não faz diferença nenhuma que queiram conhecer Scott, agora que ele está morto, através de suas memórias, e que ao invés disso deveriam demonstrar um mínimo de interesse, cuidado e carinho por aqueles que chamam de amigos e ainda estão vivos.

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Eu demorei a perceber que eu era amiga daquela mulher, mas que, por diversos fatores ela não era minha amiga. O caso é que existem conflitos e diferenças pessoais que podemos superar, e outras ocorrências que às vezes sequer podem receber essas denominações pois não passam de acontecimentos naturais da vida, mas que nos levam por caminhos opostos, e que podem terminar de descascar aquele pneu careca em que uma relação havia se tornado e determinar a estrada que uma amizade irá tomar.

O foco aqui não é falar sobre o que aconteceu comigo, nem com o David e o Scott, mas usar esses cases como exemplo para que talvez você possa refletir e reconhecer algo de errado nas suas relações. Para que haja tempo de evitar o afundamento do barco, caso se julgue possível e seja da vontade de ambos. E não só isso, o tópico é também explicar que eu escolhi o naufrágio dessa amizade, pois acredito que não devemos lutar por certas coisas. As relações – e isso é uma verdade universal – são uma via de mão dupla.

Na medida do possível, tente não cobrar e não exigir nada de ninguém. Na verdade, quanto menos você precisar emocionalmente dos outros, melhor para você, mas caso tenha certas dependências emocionais, entenda, se o carinho ou a amizade não vierem naturalmente é porque o outro não quer, não acha importante, não tem interesse. Não se diminua e não mendigue atenção como o Scott fez para se agarrar ao David, não ignore o que te incomoda e empurre mágoas com a barriga como eu fiz para evitar conflitos.

Se você acha que a sua relação com alguém é frágil e não vai resistir a mais uma ou duas pancadas, ou simplesmente, não vale a pena se indispor desse jeito por motivo nenhum, é provável que nem exista mais uma relação para ser salva, apenas a lembrança do que um dia ela foi. Você não precisa entrar num pé de guerra e terminar algo de forma desagradável só para reforçar o status que de certa forma já era vigente. Pior que perder um amigo é querer forçar alguém a querer continuar a ser seu amigo… Não confesse. Deixe estar… E de vez em quando, ria das boas lembranças que você vai inevitavelmente guardar.

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Complexo de Mártir

Complexo de Mártir

Meus problemas são maiores que os seus…

Certamente você conhece alguém que reforça essa ideia. O hábito de querer quantificar quem sofre mais pelo número, natureza e gravidade dos problemas é uma clara demonstração de baixa autoestima e exagerado autocentrismo. Sim, essas duas características podem coexistir na mesma personalidade. A falta de confiança e a visão negativa que alguém faz de si próprio pode muito comumente levá-lo a desejar receber atenção por pena. É a manifestação da vontade ser visto como um herói por ter resistido à tantas pancadas da vida. É o desejo de receber méritos por sua bravura, ou simplesmente adquirir o título de “mais azarado da turma”, para ter a sensação do que é ser campeão em alguma coisa – ainda que não seja em algo positivo, quando sente que está cercado por pessoas com vidas infinitamente mais tranquilas e ricas em sorte que a sua.

Realmente, existem muitas pessoas em desvantagem quando comparadas a outras de seu círculo social, e é humano que elas tentem buscar vitória em alguma coisa, mesmo que essa coisa seja o número de fracassos. Obviamente ninguém se orgulha dos próprios insucessos, mas continuar a ser uma pessoa de bem depois de ter passado por tantas provações acaba te atribuindo um tipo de triunfo por suas virtudes. Faz você parecer muito mais bravo e resistente do que de fato é, embora possua sim alguma bravura e resistência… Tem gente que pensa que tudo que já sofreu na vida pode ao menos servir para fazer com que seja visto com olhos de admiração por aqueles que o conhecem, e muitas pessoas com esse complexo buscam o título de mais sofredoras que Maria do Bairro.

Se essa pessoa conseguisse perceber, e apenas perceber, a força e capacidade que possui por ter passado por tantas situações sem desviar da retidão, essa poderia ser contada como uma de suas qualidades. Porém, para quem é assim, essa percepção se manifesta em forma de inferioridade, diminuindo o valor da força e ressaltando justamente o lado ruim, que seria a extrema falta de sorte. Pessoas assim rapidamente tentam compensar esse autodesprezo inventando uma competição; Todo mundo tem um amigo que, ao ouvir o relato de uma adversidade parece tentar ser otimista e mostrar para você o quanto a situação não é tão ruim quanto você pensa, quando, na verdade, ele usa desse artifício para compartilhar o próprio infortúnio, comparando-o ao seu e tentando diminuir a importância daquilo que você está passando.

É natural que compartilhemos nossas tristezas com os mais próximos, mas precisamos nos manter atentos para não tornar isso um vício e não transformar todas as conversas em desabafos. De pequenos maus hábitos podem nascer más personalidades. Pode ser que no seu interior você sinta que sofreu mais que outros. Desde que você não se comporte como tal e não alimente a ideia, isso não o rotula como alguém com complexo de mártir. É preciso compreender que só você sabe o quanto já sofreu. Só você sentiu, pois seus sentimentos são apenas seus. A forma como você reage ao que lhe acontece só pode ser conhecida por você mesmo. Suas dores só são importantes para você, talvez (e no máximo) para sua mãe, pai, ou alguém que sofra de verdade ao te ver sofrer e ninguém além disso.

Ainda que nos sintamos compreendidos por outra pessoa, ou que ela tenha úteis e sábias palavras de conforto para nos transmitir, não significa que sejamos de fato compreendidos. A empatia é uma característica admirável – quando é genuína, mas ela não garante que alguém sinta a mesma dor que você está sentindo ou que sequer a compreenda realmente, mas no fim isso não importa. O que importa é o ombro amigo que se recebe num momento de necessidade. Então, não cabe a você comparar e quantificar seus problemas com o de outros de sua convivência, o que cabe é saber ser amigo também, é saber ouvir, é compartilhar se quiser, mas nunca, em hipótese alguma, se tornar o tipo de pessoa que age como se o que os outros passam não fosse tão grave ou relevante quanto o que você passa.

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