Gordofobia Rio 2016

Noite preguiçosa de sexta, assistindo a apresentação das atletas do arremesso de peso feminino na #ESPN… Todas gordas, mas e daí? Não é novidade nenhuma que pessoas sobrepeso e obesas são tão capazes de agilidade, força e coordenação motora quanto uma pessoa considerada magra ou de tamanho padrão. E então veio o comentário que eu não esperava:

“Apesar do tamanho das moças aí, essa é uma prova de velocidade.”

Ta aí uma frase que eu não pensei ouvir, ao vivo, em plena Olimpíadas. Prontamente comentei com amigos que também estavam assistindo à transmissão para constatar que eu não havia ouvido errado, e eu tinha escutado bem demais. Naturalmente não pude manter o planejamento do texto que seria publicado aqui hoje. Então vamos falar (de forma breve) sobre gordofobia e sua versão mais desprezível, a gordofobia disfarçada.

Por mais que não tenha sido usado nenhum termo pejorativo, a forma como a frase foi falada, com a entonação e o contexto em que está inserida, ela acaba por se tornar, sim, um insulto. Ela delimita uma clara linha de capacidade – ou da falta dela, a partir da forma física das pessoas, não apenas das atletas em questão, mas de todas as pessoas que compartilham aquela condição. Interessante que, ao assistir o rugby também vemos atletas gordos, mas não lembro de nada ter sido dito a respeito de sua forma física. Talvez eu tenha perdido algum jogo, ou talvez fosse outro comentarista.

Isso nos faz pensar no quanto esse tema ainda é ignorado e encarado como piada hoje em dia. Tem sempre alguém pra dizer que quem reclama de gordofobia, machismo e homofobia está se vitimizando, ~cagando regras~ ou ~problematizando~ (como virou moda rotular), sobre questões que não passam de brincadeiras, parte da cultura ou da religião, respectivamente. Para essas pessoas, bullying não existe, a gente leva tudo a ferro e fogo, não temos senso de humor… Bom, em certos assuntos não cabe mesmo nenhum senso de humor.

Certamente esse jornalista, se é que se trata de um, não será repreendido por seu “lapso”. Por explanar de forma tão ~inocente~ sua opinião, pura gordofobia disfarçada, sobre um assunto que atinge mais de 50% da população brasileira, mais de 2,1 bilhões de pessoas sobrepeso e obesas ao redor do mundo, e principalmente, as mulheres que estavam sendo expostas naquele campo, acenando para o público, após anos de treinamento para se tornarem boas o suficiente ao ponto defenderem seus países numa competição mundial.

É ultrajante que esse tipo de coisa aconteça, e mais ultrajante ainda que seja tolerada. Você não precisa gostar de gordos nem querer ser um, você precisa apenas não desrespeitá-los, não desmerecê-los, e não julgá-los por sua forma. Qualquer incapacidade de viver dessa forma acaba por dizer muito sobre o tamanho e o peso do seu caráter.

O Esnobismo do Brasileiro

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Em meio a maior crise econômica pela qual o país já passou, todos se preparam para as Olimpíadas, exceto os brasileiros sensatos. Eu particularmente prefiro o termo OlimPiadas… Além da vergonha internacional em larga escala a qual o Brasil foi submetido pelos escândalos políticos, viramos alvo de diversas sátiras e críticas que considero bem merecidas. Mas, para justificar minha ojeriza ao evento, vou ilustrar o circo lembrando do que ocorreu apenas na semana passada:

Temos obras inacabadas, superfaturadas e malfeitas, risco de ataque terrorista, sequestro relâmpago de atletas, despreparo das forças de segurança em todos os níveis, falta de recursos em hospitais para atender a qualquer demanda, prováveis catástrofes com desabamentos, mortos e feridos pelas obras que citei acima ou qualquer outra desgraça que possa ocorrer, Vila Olímpica aos cacos, Bahia de Guanabara mais radioativa que o lixão da Dona Lucinda… Já chega, não é?

Não, não é. Antes fossem só esses os problemas do país. Nosso currículo está realmente podre! Nunca as taxas de desemprego foram tão altas. Por todos os lados, cortes em empresas colocam funcionários com anos de carreira com agenda toda livre. Há também a troca de profissionais graduados por estagiários. Eles são mais baratos, e não se engane, aquele que for fisgado nessa pescaria terá que desempenhar as funções de quem antigamente era considerado tubarão. Quem aguentar o tranco com certeza vai aprender bastante, mas não é todo mundo que consegue encarar tanta responsabilidade de cara.

Enquanto isso, do outro lado do oceano, o tubarão se vê reduzido a plâncton em pleno vazamento de óleo. A quem está sem emprego resta muita incerteza sobre o futuro, além da atribulação de questões (i)morais completamente enlouquecedoras. Primeiro vem o choque: um dia você mal tem tempo para assistir um filme, no outro, pode embarcar numa maratona na Netflix, pois tempo é tudo o que você tem. Em princípio pode ser que soe como um bom descanso, necessário e merecido, mas em questão de horas isso se torna um dos maiores tormentos que um adulto poderia enfrentar.

Quando você experimenta a dura realidade de estar cadastrado em mais de 20 sites de vagas, enviando currículos para diversos cargos – inclusive inferiores a sua formação e experiência, e não recebe NENHUM feedback de NENHUMA empresa, a coisa realmente começa a te consumir fisicamente. Todo esse estresse age como veneno no corpo. Surgem coceiras aqui, pintas ali, o cabelo cai, a pele fica terrível, a insônia surge, a libido desaparece, e em algum momento você começa a desejar a morte. E entende que talvez precise de uma ajuda psiquiátrica, mas, cadê a grana para pagar o plano de saúde?

Eventualmente, você se vê diante da opção de se candidatar a vaga de caixa em loja de departamento, atendente de farmácia, garçom, e até pensa em prostituição… Mesmo que se consiga ultrapassar o esnobismo em prol da necessidade de sobrevivência, em certo grau e ainda que de forma camuflada, ele fala mais alto. Seus desejos internos pedem que não venha nenhuma resposta daquela vaga, já que não vieram de tantas outras. O caso aqui não é desprezar a dignidade do trabalho de atendente ou garçom, mas é ter que engolir que você estudou e trabalhou para não ter que servir ninguém, e agora talvez tenha que recorrer a essa opção para poder se sustentar.

Se imaginar naquele cargo se torna inevitável, a imagem dos tipos de pessoa que você terá que servilmente servir ficam nítidas: ex companheiros de trabalho e demais atividades, amigos, conhecidos, pessoas que te odeiam, pessoas que você odeia, pessoas que iam se regozijar de saber que você está fodido carregando uma bandeja para poder sobreviver, pois você virou vítima da crise. Com isso, os sentimentos de incompetência, impotência e injustiça se tornam abrasadores. Você não deveria estar passando por aquilo… E não é a toa que tanta gente cometa suicídio diante da falência.

Há quem passe por cima desse orgulho com praticidade, mas em geral, para a maior parte das pessoas é muito difícil aceitar se sujeitar a essa mudança radical. Isso me faz pensar num assunto que foi bastante debatido enquanto rolavam manifestações pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff. Uma família foi “fazer a sua parte” e protestar contra o governo, e levou consigo a babá que empurrava o carrinho de uma criança. A imagem foi registrada e viralizou na internet. Entre o burburinho causado nas redes sociais, uma questão foi levantada e permaneceu no meu inconsciente.

A tal família, muito condenada por sua atitude, publicou uma carta aberta apontando o quão digno era o trabalho daquela babá, que ela era um membro da família, estava recebendo todos os direitos previstos pela lei e que não havia vergonha nenhuma naquele trabalho. É verdade, mas, em sábia resposta alguém rebateu: “o dia que um abastado crescer querendo ser babá, faxineira ou garçom, nós voltamos a essa discussão.” Embora pareça extremamente esnobe colocar a situação dessa forma, em preto ou branco, sem considerar o cinza e as outras cores, estamos lidando com a verdade nua e crua.

E para alguém que ocupava um cargo de prestígio, de repente se ver colocando currículos para vagas financeiramente e em termos de formação, inferiores, é um tapa na cara. Você valoriza essas profissões, desde que não tenha que desempenha-las. Isso é sim um tipo de hipocrisia, e ela pode ditar se você vai sobreviver a crise ou afundar com ela. A divisão de classes foi e sempre será uma pedra no caminho da evolução social. E olha que eu não sou comunista, sou pró capitalismo, mas ele é cruel, é para poucos, e muitos que desfrutavam dele, hoje já não podem mais.

Para consertar o país seria necessário consertar seus cidadãos, ou pelo menos ensinar-lhes o real conceito de cidadania e igualdade, que não tem nada a ver com justiça, mas fariam diferença para o convívio em sociedade. Seria necessário derrubar as barreiras que criamos entre A, B, C e lembrar que existem pessoas abaixo da linha da pobreza que adorariam ter a opção de poder servir mesas para levar o sustento para casa. Seria preciso entender que enquanto a gente reclama que não pode mais ir ao cinema como antes, muitos não tem um teto, nem o que comer.

Vamos repensar nossos preconceitos, abandonemos o esnobismo…

Não é vergonha tê-los, mas é vergonhoso querer mantê-los.

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